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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
«ASSASSINATOS POR DOTE» - ABRIL 2017
Publicado em: 01/04/2017
UMA PRISÃO PARA SOGRAS QUE MATARAM OU LEVARAM AS NORAS AO SUICÍDIO. POR ANO, SÃO CERCA DE NOVE MIL “ASSASSINATOS POR DOTE” E OS NÚMEROS NÃO PARAM DE CRESCER.
Uma ala da prisão de Tihar, em Dili (Índia), destina-se exclusivamente a sogras. A sogras que mataram ou contribuíram para matar as noras, numa forma de violência doméstica que assume proporções crescentes. Segundo dados do Governo indiano, entre 2013 e 2015, morreram cerca de 25 mil mulheres, assassinadas ou levadas ao suicídio por mulheres da família do marido, frequentemente em colaboração com o próprio. Números que, reconhecem, são provavelmente apenas a ponta do iceberg, já que é um crime que família e polícia tendem a encobrir.
Isso mesmo. Sogras que espancaram, envenenaram ou imolaram pelo fogo, como aconteceu com Kati Nagbami, incendiada na cozinha, ou com Jaswinder, estrangulada pela mãe do marido, ou Rajyalakshmi, de 19 anos, que se suicidou depois de estar sequestrada durante meses. Chamam-lhes “Assassinos por Dote”, porque o motivo do crime está diretamente ligado à insatisfação perante a riqueza que as noivas trazem consigo e ao desejo de lhes extorquirem mais. As barbaridades associadas a esta prática levaram a que o dote fosse proibido nos anos 60 do século passado, mas o crescente número de mulheres assassinadas deixa bem claro que não só nada mudou como até se agravou, resultado provável de uma sociedade de consumo desenfreada, em que o casamento de um filho representa a única forma de se aceder a bens que de outra forma seriam inalcançáveis – até por uma televisão. Mata-se em todas as classes sociais, religiões e regiões do país.
A jurista da Universidade de Denver, nos EUA, Rashmi Goel faz do fenómeno uma leitura mais profunda. Em «Women Who Kill Women» («Mulheres que Matam Mulheres»), propõe-se entender o que produz esta violência que, afirma, contraria as estatísticas globais que indicam que as mulheres raramente matam.
Começa pelo enquadramento: num país com dez milhões de casamentos por ano, mais de 90% continuam a ser combinados entre famílias, havendo lugar a dote, agora mascarado de “presentes de casamento” que, obviamente, nenhuma legislação consegue proibir. E quanto mais desejável o noivo, mais alto é o valor requerido, que terá de compensar os custos com a sua educação, como se fosse um investimento de que se espera bom retorno. Rahsmi Goel sintetiza: “Para alguns, uma nora é o caminho para a riqueza e a sua presença um encargo necessário para lá chegar.”
Mas a investigadora, deixando claro que não quer desculpar as sogras, acredita que a explicação se prende com a poderosa sociedade patriarcal indiana. As mulheres desvalorizadas tendem a desvalorizar as outras mulheres, as sogras foram provavelmente noras maltratadas que, quando atingem o estatuto, perpetuam a cadeia. Pensam qualquer coisa como: “Se fui obediente e servil, se servi e enriqueci a família do meu marido, porque é que tu não fazes o mesmo?” Simplesmente, do outro lado, estão agora mulheres com habilitações académicas, que até conheceram um início de carreira (que o casamento obriga a deixar) e, felizmente, se rebelam contra esta escravidão.
Por outro lado, quando o poder é dos homens, ser mãe de um homem é um trunfo valioso, de que não se abre mão facilmente, nem tão-pouco se partilha. A nora é, por isso, um inimigo, neste caso, a abater.
A investigadora reconhece que se queremos respeitar as mulheres como seres humanos capazes de fazer escolhas, temos de reconhecer que são também responsáveis pelas más escolhas que fazem. Mas assegura que nada mudará na Índia se os legisladores e os tribunais, a par das condenações severas para estes casos (que já acontecem), simultaneamente continuarem a promover a inferioridade das mulheres no casamento e na sociedade. Mesmo depois de mortas, estas sentenças continuam a pregar a necessidade de esposas submissas e obedientes.
Decididamente, não se prevê para breve a desativação da ala das “velhinhas” em Tihar, nem tantas vidas cruelmente desperdiçadas.
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