CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 NÃO TENHO NADA PARA VESTIR! - JUNHO 2017
Publicado em: 01/06/2017
ENTÃO PARA QUE É QUE ENCHEMOS AS NOSSAS GAVETAS COM TANTA COISA QUE, NO FUNDO, NO FUNDO, NOS DIZ POUCO OU NADA? NINGUÉM DISSE QUE ESTA HISTÓRIA ERA SIMPLES.

Quando abrimos um armário cheio de roupa e gritamos “Não tenho nada para vestir!”, limitamo-nos a constatar a mais clara das evidências. Perante a mesma visão, um homem pode jurar que os cabides não estão vazios, mas a ilusão é dele, não nossa. Porque existem momentos, sim, senhora!, em que um guarda-roupa apinhado de trapinhos está efetivamente vazio.
Para entender o paradoxo, basta perceber que o que procuramos não são simplesmente pedaços de tecido, que até nos podem ter custado os olhos da cara e ficar a matar em manequins, mas uma versão moderna do vestido que a fada madrinha da Cinderela produziu com dois toques da varinha de condão. Uma segunda pele que funcione como cartão de visita, permitindo-nos chegar tarde e a más horas ao baile, e mesmo assim ser a estrela da festa. Uma roupagem mágica que dissolva inseguranças, permitindo-nos enfrentar os outros com uma confiança que perdemos quando não conseguimos deixar de pensar se a saia é demasiado comprida ou curta ou se a barriga sobra do top. Por vezes, procuramos um penso rápido para uma ferida aberta no ego por um comentário maldoso, talvez até muito antigo, ou pela visão de nós mesmas no espelho, quando estupidamente caímos na asneira de acreditar que somos só aquilo que ele reflete (e não somos mesmo!). E a verdade é que quando um armário não nos oferece nada disso, na prática, não tem nada lá dentro. É tão simples como isso.
Desiludidas, passamos então ao ataque. Tiramos e pomos, misturamos e acrescentamos, juntamos colares e cintos e até caímos na asneira de pedir encarecidamente opinião ao homem da casa, levando-o a acreditar que será dele a última palavra. Nunca é.
Depois, das duas, uma: ou saímos disparadas para o centro comercial mais próximo, na esperança de que numa qualquer loja esteja uma solução pronta-a-vestir, ou, mais frequente, optamos pela mesma roupa de sempre. Os mesmos jeans, a mesma camisa, o mesmo blusão, os mesmos sapatos, o mesmo colar, repetindo a fórmula segura, aquela que numa edição passada nos deu a certeza (que pode ser uma ilusão, mas não importa) de cumprir todos os requisitos ou a maioria deles.
Quando os pobres espectadores constatam o óbvio – “Já vestiste isso mil vezes!” ou um vitimizado “Mas julguei que tínhamos concordado no vestido encarnado!” –, invariavelmente percebem que deviam ter ficado calados. Porque sim, vamos vestir exatamente “aquilo” pelo menos mais mil e uma vezes, até conseguirmos encontrar um outro escudo que cumpra a mesma função.
Afinal, pensando bem, esqueça a Cinderela e pense na Super-Mulher, nunca ninguém a viu vestida de outra maneira!
Mas a pergunta impõe-se e, antes que ele a faça, coloco-a eu: então para que é que enchemos as nossas gavetas com tanta coisa que, no fundo, no fundo, nos diz pouco ou nada?
Ninguém disse que esta história era simples. Nem que acabava por aqui.
Suspeito que é uma consequência dos “dias maus”. Isso mesmo, dos dias em que imaginamos que vamos ser capazes de ser outra pessoa, ou pior, que devíamos ser outra que não nós mesmas. Mais crescidas, mais adultas, mais como as nossas mães ou, pelo contrário, mais novas e mais parecidos com as nossas filhas ou mais “profissionais”, mais urbanas, mais naturais, cada um tem os seus fantasmas.
E do que tenho a certeza é que nessas fases devíamos evitar entrar numa loja (e, já agora, também no cabeleireiro) porque sai caro e o resultado é desastroso. Infelizmente, muitas vezes só temos consciência disso quando gritamos: “Não tenho nada para vestir!”