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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
A MEMÓRIA - JULHO 2017
Publicado em: 01/07/2017
POR FAVOR, POR FAVOR, NÃO SE DESCULPE COM O TEMPO – E ASSIM FALO ALTO COMIGO MESMA! –, VARRA PARA O LADO TANTA COISA INÚTIL COM QUE O DESPERDIÇAMOS.
Por vezes ficamos com a impressão de que as memórias não colam, como post-its baratos que se desprendem ao mínimo abanão. De muitas delas não recordamos mais do que os contornos difusos, como se os cheiros se tivessem esfumado e as cores esbatido. Para onde foram, para onde vão?
Não nos queixamos de falta delas, são muitas, até porque à velocidade a que vivemos os acontecimentos multiplicam-se pelas horas e pelos minutos, tantos num dia, mais ainda numa semana, memórias em catadupa quando a conta do tempo é ao mês ou ao ano. O que nos perturba é a falta de definição.
Quando nos queixamos há sempre uma alma caridosa que nos explica que é da idade, insinuando uma demência precoce, enquanto outra, genuinamente generosa, nos lembra que se calhar não existe esquecimento, pela simples razão de que nunca chegamos realmente a registar o que se passou. Por distração ou falta de atenção, “quem é que consegue dar atenção a tanta coisa ao mesmo tempo”, consolam.
E consolam, de verdade.
Mas se calhar o que nos falta é a monotonia dos dias que desagua em clareiras mentais, falta-nos tempo para revivermos o que já vivemos, gravando a memória a ferro e fogo. Falta-nos, concluo eu, revelar as fotografias em papel, e depois escolhê-las, colá-las num álbum e legendá-las, em lugar de as acumularmos em telemóveis e computadores, constantemente abafadas pelas dezenas de outras que lhes vamos somando.
Falta-nos um diário, um caderno onde escrevemos, pelo nosso punho, a descrição do que aconteceu, os diálogos entre os personagens, os detalhes que nos cativaram, as emoções que nos deixaram a rir ou de lágrimas nos olhos. Como fazíamos nos verões da nossa adolescência, diálogos inteiros, “eu disse”, “ele disse”, os amores de verão transcritos para memória futura, os desgostos de setembro guardados para sempre.
Além do mais eram catárticos, substituindo várias sessões no divã de um psicanalista, os dramas chorados no papel acabavam por nos dar vontade de rir e os erros passados a escrito tornavam-se no enunciado de um novo problema, que nos esforçávamos por resolver. Diários, decididamente, chegou o tempo de os reabilitarmos.
Falta-nos escrever cartas, longas e cheias de pormenores, a apresentar fulano e sicrano, a descrever a paisagem e o lugar onde estávamos, partilhando os momentos altos e os baixos, porque queríamos muito que quem as recebesse percebesse aquilo que dizíamos, aquilo que lhe queríamos contar. Porque aquelas folhas de papel vinham sem a bengala de retratos ao fotograma que, aparentemente, dispensam o exercício do vocabulário e dão folga aos neurónios.
Falta-nos, ainda, um “scrapbook”, um daqueles livros-cadernos em formato grande, onde colávamos bilhetes de concerto, e até de comboio, recortes de jornais, cordel de um balão ou o resto de um pau de gelado, artefactos de alguma história que contávamos ao lado.
Faltava-nos! Faltava-nos até agora, porque podemos redescobrir estes hábitos, libertando a pobre da nossa criatividade que provavelmente anda por aí amordaçada.
Por favor, por favor, não se desculpe com o tempo ? e assim falo alto comigo mesma! ?, varra para o lado tanta coisa inútil com que o desperdiçamos. É só pousarmos um bocadinho o telemóvel (ouviste, Isabel?!?), porque depois o entusiasmo faz o resto.
Faz de certezinha e se afinal nada disto surtir qualquer efeito sobre a memória, já para não falar no QI, é indiferente, porque pelo menos enche-nos de felicidade. Daquela felicidade pura que não precisa de fogos de artifício e essa aposto que resiste. E se não resistir também, tanto faz, porque construímos para nós mesmas uma auto-biografia, sempre pronta a consultar.
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