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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
QUANDO A ESCOLA NÃO CELEBRA O PAI
Publicado em: 27/03/2019
Podem apagar a data do calendário, mas as crianças que não têm um pai presente, confrontam-se com esse facto 365 dias por ano, e só ganham se a Escola trabalhar com as família para as ajudar a lidar com a especificidade da sua situação.
Na semana passada, no calor da indignação, publiquei na minha página de Facebook o seguinte "post":
"Soube que hoje numa escola da Grande Lisboa os alunos do Básico não fizeram presente para o Dia do Pai, porque "há meninos que não têm pai".
Pensei que a referência era às crianças cujos pais já teriam morrido ou estando separados da mãe, tinham perdido contacto com os filhos. Achei absurdo. O Dia do Pai é no dia de S. José - e certamente que há um São José nas suas vidas, seja o padrasto ou o pai do pai, ou o pai da mãe, ou um tio. Fui ingénua. Aparentemente o que foi explicado às crianças é que "há meninos que têm duas mães e não têm pai", ou "dois pais e não têm mãe". Indignei-me a sério.
Se há meninos que têm duas mães ou dois pais, acho ótimo, mas não há meninos que não têm pai, nem meninos que não têm mãe. Não existe tal coisa.
O ensino em Portugal tem por base o método científico. Por muito que os pais de um aluno acreditem que 2 e 2 não são 4, ou que a terra não anda à volta do Sol, tenho a legítima expectativa de que a Escola não altere o programa de Matemática ou de Ciências para lhes agradar. Na nossa ânsia de tolerância, não pode valer tudo."
Pela reação das pessoas fiquei a perceber que não era apenas uma a escola onde se decidira suprimir a data, mas várias, e foram--me até enviadas circulares nas quais se explicava, com pequenas variações, "que tendo em conta a crescente diversidade de contextos familiares e de forma a preservar e respeitar as características da família de cada uma das crianças, este ano a Escola substituirá as atividades do dia do Pai e do dia da Mãe [...]".
Os comentários multiplicaram-se, uns contra, outros a favor, num debate interessantíssimo, por vezes evidenciando experiências pessoais muito dolorosas, e que deixou claro que este é, decididamente, um tema que a Escola deve enfrentar, em lugar de o varrer para debaixo do tapete.
Contudo, a insistência de alguns na ideia de que estas celebrações deviam ficar fora da Escola preocupou-me. Acredito que as escolas agiram por bondade, a que não terá faltado medo de suscitar reações mais agressivas, mas na prática atropelaram as "características da família" da maioria das crianças que as frequentam, sem vantagem para ninguém. Porque podem apagar a data do calendário, mas aquelas que não têm um pai presente confrontam-se com esse facto 365 dias por ano, e só ganham se a Escola trabalhar com as família para as ajudar a lidar com a especificidade da sua situação. Um esforço bem mais inclusivo e pedagógico do que se sitiarem atrás de um jargão, com muitas "diversidades" e "contextos" à mistura.
Quanto a dizer aos alunos que há meninos que não têm pai, ou que não têm mãe, sinceramente continua a parecer-me absurda. Que pai e mãe são aqueles que amam e cuidam não tenho dúvida nenhuma, e continua a chocar-me as milhares de crianças institucionalizadas ou mantidas em famílias que as maltratam porque se fazem prevalecer os laços de sangue sobre o direito a uma família. Mas pensar assim não significa desvalorizar a evidência de que devemos a vida a um homem e a uma mulher, independentemente do que aconteceu depois. Crescer em verdade é a única forma de crescer sem sobressaltos, e não sou eu que o digo, mas os técnicos que trabalham quer com a reprodução médica assistida, em casais heterossexuais ou homossexuais, quer com a adoção. Sermos enganados por aqueles em que mais confiamos e amamos é que destrói. Aliás, basta uma visita a muitos sites LGBT, em que se fala de tudo isto, inclusive em como lidar com o Dia do Pai, para perceber que felizmente os próprios parecem lidar bem melhor com a questão do que algumas escolas portuguesas.
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