CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 ETERNAMENTE PRÉ-OCUPADOS
Publicado em: 05/06/2019
Se fosse chefe de alguém mandava-o não pensar em nada durante um dia inteiro. Em vez de um "brainstorming", fazer um "brainemtying" de todas as coisas que nos pre-ocupam.

Não pensar em nada é tão difícil. E, no entanto, são nessas clareiras quase impossíveis que se dão os grandes "eurekas", e as peças do puzzle caem finalmente no sítio, tornando completo o retrato. Se fosse chefe de alguém, em lugar de pedir que a minha equipa pensasse em soluções, passasse o tempo em palavrosas ações de formação, pedia-lhes que não pensassem em nada. Que ficassem um dia inteiro sem telemóvel, fechados numa sala - afinal, era sempre na quietude das suas celas que os monges recebiam as grandes visões -, ou debaixo de uma árvore, quem sabe se não lhes caía uma maçã em cima. É preciso tempo e espaço para o inesperado, e é a surpresa que nos acorda para a vida. Decididamente, acho que estamos mais em tempo de "brainemptying" do que "brainstorming". Esvaziar a cabeça devia ser uma prioridade.

Certamente por incapacidade minha nunca consegui seguir aquelas receitas de meditação, em que nos mandam visualizar mentalmente uma rosa, pensar só na rosa, sem distrações. Quando dou por isso já foi parasitada por listas de coisas que ainda tenho por fazer, e não consigo, até no sono, livrar a minha cabeça de preocupações.

Suspeito de que não estou sozinha. Preocupamo-nos com o trabalho, com o amor, com os filhos, a lista é infindável. Tantas vezes presos à ilusão de que conseguimos resolver a vida dos outros, como se nos competisse encontrar finais felizes para histórias que não nos pertencem. Ninguém nos agradece as insónias, e muito bem - porque haviam de estar gratos por aquilo que não pediram nem desejam? E, no entanto, não nos corrigimos.

Preocupamo-nos, até, com personagens de livros e de filmes que nos visitam meses depois de os termos conhecido, por que raio nos perdemos com os dramas de gente de ficção? Para não falar naqueles que saltam diretamente de uma página de jornal para dentro de nós, sem pedirem autorização para entrar. E que nos irritam ou indignam tanto, que sem querer lhes cedemos o nosso espaço mental, que é exatamente o contrário do que mereciam. Não há dúvida de que quando odiamos damos aos nossos inimigos um enorme poder sobre nós.

Desde que olhei para a palavra preocupação à lupa, percebi um bocadinho melhor o que se passa. Percebi que quando estamos "pré-ocupados", a nossa massa cinzenta está tomada. E que até conseguirmos desalojar o inquilino, que nos ocupa muito para além do previsto no contrato (e tantas vezes sem pagar renda), não há espaço para mais nada. Muito menos para ideias criativas ou inovadoras, daquelas que as empresas precisam.

Percebi, também, que ao contrário do que imaginamos, muitas vezes, não fazemos mais do que ruminar, como se estivéssemos sentados numa cadeira de baloiço, convencidos de que aquele movimento nos faz avançar quando, na realidade, não saímos do mesmo lugar.

Está bem, e então a solução para tudo isto? Não faço ideia, mas talvez não seja necessário perceber a razão de todas as coisas, se calhar é só termos mesmo a coragem de começar. De avançar por tentativa e erro. Sem medo do silêncio, de estar a perder alguma coisa, afogados em informação, encadeados por um ecrã de onde acreditamos que virá a adrenalina que nos falta. A solução só pode ser mesmo des-pré-ocuparmo-nos.