CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 SE UM TELETRABALHA, O OUTRO PERDE APOIO À FAMÍLIA
Publicado em: 18/03/2020
Imaginar que o teletrabalho se compatibiliza com ficar fechado em casa com vários filhos, e ensiná-los de caminho, é querer enganar empresários e empregados. A nova decisão de apoio à família por encerramento das escolas, vista à lupa.

Em tempos de dificuldades como as que agora vivemos, temos de dar tréguas aos nossos governantes, a que ninguém pode invejar o lugar. Mas, mesmo agindo com benevolência, e com consciência das consequências económicas da pandemia, há questões que é impossível não referir. Como, por exemplo, aquelas que rodeiam a licença extraordinária que permite aos pais lidar com o encerramento das escolas.

Não importa aqui discutir se fecharam cedo ou tarde demais, o que interessa é que fecharam, com a garantia de que esta medida não ia, ao contrário do que terá acontecido precisamente em Itália, enfiar os mais velhos na boca do lobo, descarregando-lhes um importante vetor do Covid19 em casa.

Aos pais foi dito que um deles poderia ficar em casa, recebendo uma parcela importante do vencimento para viabilizar este desígnio nacional, conscientes de que as contas vão continuar a aparecer, inclusivamente as das escolas e ATL.

Por seu lado, num reino onde o tecido empresarial é constituído de pequenas empresas, os empresários imaginaram que, pelo menos desta vez, teriam a sensatez de não obrigar as empresas a arcar com o custo da medida, sobretudo num momento em que são confrontadas com os cofres vazios, e uma falência à vista.

Mas, quando uns e outros se sentaram a ler a decisão, perceberam que para muitos não é bem assim. Por incrível que pareça, o trabalhador só pode beneficiar do apoio excecional à família, se o cônjuge não estiver em teletrabalho. Ou seja, para o governo "Teletrabalho" e "Apoio aos filhos que estão em casa por encerramento da escola", são sinónimos.

Com isto, revela que não faz a mais pequena ideia do que representa trabalhar a partir de casa, em que o empregado se compromete a cumprir um horário, a produzir coisa que efetivamente se veja, a comparecer, embora virtualmente, a reuniões e discussões com outras pessoas, a estabelecer contactos telefónicos com clientes ou fornecedores, num esforço real de merecer o vencimento que lhe pagam. Até, diria eu, com zelo acrescido pela confiança que nele é depositada.

E, ainda menos, o que é ficar em casa dia após dia, com dois, três ou mais filhos, provavelmente um deles ainda bebé, em regime de evitação de contactos sociais, sem a ajuda de avós ou terceiros, com todo o trabalho doméstico, refeições incluídas, para realizar. Mais, com a missão de colmatar a ausência de atividade letiva presencial, a acompanhar os programas de e-Learning implementados pela escola ou, mais provavelmente, a substituir-se ao professor, porque o senhor ministro da Educação bem repetiu que isto não são férias.

Mas há mais. O empregador, segundo esta decisão, não pode recusar o teletrabalho requerido pelo trabalhador, desde que compatível com as funções exercidas, mesmo sabendo que ele vai para casa com a principal função de cuidar dos filhos, e não terá a mais remota possibilidade de produzir o que é esperado dele. Por outras palavras, o trabalhador é incitado a camuflar a realidade, ou mentindo acerca daquilo que é humanamente possível que cumpra, ou escondendo à empresa - e ao Estado - que o marido ou a mulher também estão em teletrabalho.

Sei que estamos numa situação económica grave, e que devemos todos de continuar a trabalhar (com todos os cuidados que se impõem), mas parece-me que a medida foi anunciada como uma panaceia, que não é. E o embate vem já ai: o que farão as famílias já nas férias da Páscoa, no pico da epidemia, e em que este "subsídio" deixará de ser garantido? Não faço ideia, e percebo o desespero de aliviar por 15 dias o custo astronómico desta medida, mas pelo menos não falem como se, habitualmente, os pais gozassem desta interrupção letiva com os filhos.