CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 DIA 74: UM SEGREDO PARA ACTIVAR OS CÉREBROS DOS AVÓS
Publicado em: 30/06/2020
Ana,

Foi tão bom ser avó em tua casa, enquanto fugias umas míseras duas noites com o Eduardo, férias tão merecidas depois destes meses de confinamento com quatro filhos e um cão. Uma solução fantástica, sem necessidade de fazer e desfazer malas, porque só levei daqui um chapéu, fato de banho e óculos escuros (todos desnecessários, que raio de clima esse!), já que tinha todas as tuas gavetas para explorar!

Durante três dias misturámos escola virtual com excursões e passeios, e uma visita à Zara, seguida de uma rodada de sushi que depois de meses de carência de centros comerciais, surtiram o mesmo efeito que se as tivesse levado à Euro Disney. Que orgulho tive nelas, na maneira como nos fizeram sentir em casa, no sentido de humor constante, na forma como ajudam em tudo, e tomam conta do Mini E. e da Amora (esqueci-me de te dizer que assaltou o bolo que arrefecia em cima da mesa, mas não partiu o prato!). Senti orgulho nelas e senti-o ainda mais em vocês os dois.

Mas tudo isto é só um prólogo para o que tenho para te anunciar: já podes falar comigo sobre a Ariana Grande. Agora sei quem é. Aliás, gastei dez euros, dez!, num livro sobre a vida da criatura, o que faz uma avó para subornar os netos... Mas fiz mais: li-o com elas. Se quiseres posso recitar a que horas é que se levanta de manhã, quanto mede, quantas vezes diz “yeah” no último álbum. Espera, e também ouvi as músicas dela durante três dias. Não é tudo. O meu curso de cultura pré-adolescente incluiu também Tic-Tocs, e vi filmes no YouTube sobre como cortar collants de forma a que não se vejam nas sandálias, e tentei acompanhar a sabedoria digital das tuas filhas, que não só criam “cenas”, como filmam, cortam e colam vídeos e conseguem malabarismos de que antigamente só um profissional era capaz.

E porque é que isto é tema de uma carta? Porque se calhar não sabes que tudo isto faz maravilhas aos cérebros dos avós. Num livro sobre o funcionamento do nosso cérebro, o professor Alexandre Castro Caldas explica que à medida que envelhecemos, e os nossos sentidos vão perdendo acuidade, passamos a confiar progressivamente mais na nossa base de dados interna, na informação que acumulámos ao longo de décadas. Simplesmente, mais fechados no nosso mundo, corremos o risco de pensar que a realidade de hoje é feita à imagem e semelhança daquela que vivemos, com todos os erros que daí decorrem. Se lhe somares teimosia, casmurrice, um cemitério de neurónios e, mais perigoso ainda, poder, o resultado pode ser desastroso.

E é mesmo assim. Se não tivermos cuidado, podemos desligar-nos das gerações mais novas, assumindo uma postura mais de sabichões do que de sábios (como nós fazíamos é que era!), descambando na nostalgia (no nosso tempo é que era!), ou mais preocupante ainda no azedume. Mas os netos podem salvar os avós de tudo isto. E esse é que é o grande motivo desta carta, celebrar os netos! Se tiver que ser ao som da Ariana Grandeee (diz no livro que é como gosta de ver o apelido pronunciado), que seja.

Beijinhos

***

Querida Mãe,

Mil milhões de obrigadas por terem ficado com eles. Quando se têm filhos, a arte de sair com o marido é de um equilíbrio tão fino que é difícil acertar ao ponto de se conseguirem verdadeiramente umas férias descansadas. É preciso que os miúdos fiquem bem, sem demasiadas angústias de separação. É preciso sentir que não estamos a abusar da boa vontade de quem fica com eles, principalmente quando já são quatro. É preciso conseguir sair da própria culpa e do stress do dia-a-dia para começar a desfrutar do facto de se ter esses dois dias livres. É preciso lidar com a pressão enquanto casal ( “Devia estar super apaixonada”, “Devia estar mais bem-disposta”), e acalmar a cabeça que entra em curto-circuito só de pensar em tudo o que devia aproveitar para fazer — ver museus, ler, namorar, jantar com calma, ficar acordada até tarde, dormir, dar passeios, ficar quieta —, muitas delas, ainda por cima, contraditórias entre si, além de difíceis de executar porque perante o vazio e o silêncio repentino, o cansaço acumulado ataca e só nos apetece ver séries! E ainda é preciso gerir a ansiedade de estar longe e calar a vozinha pequenina que sussurra: “E se acontece alguma coisa e eu não estou lá?”

Eu sei, eu sei que há mães que desligam muito depressa, outras que têm muita dificuldade, somos todas diferentes e depende muito da fase em que estamos. Já sofri muito, muito com estas saídas, mas agora lido muito melhor com elas, não só porque já não sou a mesma, mas também porque os miúdos estão noutra idade, os mais pequenos ficam com os irmãos. Isto tudo para dizer o quê?... Que estes dois dias foram o jackpot em que todas as coisas boas se alinharam. Em que tudo correu o melhor possível cá e lá. E fico-lhe eternamente grata por isso!

Os avós quando ficam com os netos rejuvenescem e treinam o cérebro para que fique mais flexível, mas o cérebro dos pais, cuja playlist do Spotify já só toca músicas da Disney, da Ariana Grande ou da Xana Toc-Toc faz o processo oposto quando tiram uns dias sem filhos. De repente, as conversas prolongam-se durante mais de dois minutos. Deixamos de discutir se a Ariana Grande já teve cinco ou seis namorados e relembramos o nosso próprio namoro. O Simon and Garfunkel começa a tocar e lembramo-nos de uma parte do nosso ser, mais calmo, mais descontraído, mais adulto que nos tínhamos esquecido que ainda existia. Durante cinco minutos, claro, porque a seguir damos por nós a olhar para fotografias dos miúdos e a partilhar histórias sobre eles. E o pior é que, e nem confessei isto ao E., fui a viagem toda a controlar-me para não pôr o CD da Ariana Grande — já que não tinha as gémeas como pretexto — porque estava com saudades da familiaridade do “Thank you, next, next. Thank you, next...”

Não sei como é que o professor Castro Caldas explicaria estas birras do meu cérebro, mas tenho curiosidade.

Obrigada!

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