CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 DIA 105: OS PRIMEIROS DESENCONTROS ENTRE AVÓS E MÃES
Publicado em: 29/09/2020
As primeiras semanas ou os primeiros meses da vida de um primeiro neto são uma lição de autocontrolo para as avós, uma lição dura e inesperada para quem, desta vez, está na retaguarda.

Ana,

Sabes uma das coisas que mais me custou quando me tornei avó? Ouvir as tuas filhas recém-nascidas a chorar, não poder entrar pelo teu quarto adentro e pegar-lhes ao colo. Aquela porta fechada e uma réstia de bom senso a lembrar-me que as filhas eram tuas, impediram-se de fazer o disparate, mas não consegui deixar de ficar ali especada, no corredor, na esperança de que viesses por mim. Ainda me rio às gargalhadas quando me lembro da tua cara quando me encontraste ali, meia preocupada com a possibilidade do choro me ter acordado, meia desconfiada da verdade, ou seja de que esperava ardentemente uma oportunidade de as “raptar”. Jurei-te que não. Que estava só de passagem, a caminho do meu computador, que como bem sabias adoro escrever à noite. Estavas demasiado exausta para argumentar. Mas mesmo assim não me entregaste as tuas filhas!

Falando muito a sério, as primeiras semanas ou os primeiros meses da vida de um primeiro neto são uma lição de autocontrolo para as avós, uma lição dura e inesperada para quem, desta vez, está na retaguarda. Estupidamente inesperada, claro, não sei por que não estamos mais preparadas para ela, sendo que não andamos com aquele bebé nove meses na barriga, mas inesperada mesmo assim.

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Talvez seja a ilusão de que a nossa experiência vos é indispensável. De que ninguém saberá sossegar como nós aquele bebé que amamos tanto, por ele, acabado de chegar e que mal conhecemos, mas sobretudo porque é vosso. E nos transporta para o tempo em que éramos mães, e vocês os nossos bebés.

Mas, frente a este nosso desejo tão forte, vocês sabem, intuitivamente, que é altura de marcar território. E trabalharam para isso. Leram todos os manuais, falaram com o pediatra mil vezes, consultaram as vossas amigas, foram a cursos de formação, e se não estão seguras de tudo, pelo menos sentem que têm de o parecer.

Desconfio que é deste medo de que as avós — mães e sogras — não saibam manter-se atentas e vigilantes, mas um passo atrás, que surgem os conflitos desta fase, que em casos graves deixam marcas. Vistas de fora, estas guerras de gerações até são hilariantes, mas na altura não têm graça nenhuma. A avó esgrima com o seu CV de anos a criar filhos, e a filha ou a nora respondem que agora já nada é assim, como se os seus filhos fossem uma variante nova dos bebés humanos. Não se embala daquela maneira, não se deitam daquela maneira, deixam-se chorar ou não se deixam chorar, amamenta-se a toda a hora ou com regras apertadas, num rol de mandamentos que não aceitam contestação. Mesmo quando a cunhada ou a irmã, da mesma geração, faz precisamente o contrário, porque lhe calhou em sorte um pediatra de uma outra escola.

Sim, Ana, eu sei que a ciência pula e avança, e que mesmo na nossa geração de avós há mil maneiras diferentes de criar um bebé, e algumas roçam a barbaridade aos olhos de hoje, mas se é verdade que nós podíamos ser um bocadinho menos chatas, será que as mães também não podiam ser um bocadinho mais generosas? Fechar os olhos por um bocadinho e deixar que a avó embale à sua maneira, e tenha mais tempo e mais acesso àquela criança pela qual esperou tão ansiosamente? Porque as mães não se despacharam a dar-lhes netos mais cedo, claro!, mas esse assunto fica para uma próxima carta.

***

Ai meu Deus, mãe, fui assim tão pouco generosa consigo em relação aos meus filhos??? Tenho ideia de que não, ou pelo menos estava a fazer um esforço enorme para o ser, mas não é fácil gerir o instinto absolutamente poderoso do “Ninguém toca no meu bebé”, com o cansaço, melhor dito exaustão, e as emoções, boas e más, de um parto ainda tão recente. Acredite, queremos partilhá-lo, mas pedir-nos para aceitarmos que alguém sabe mais sobre o nosso bebé, isso é demais.

Mas talvez os avós tivessem mais sucesso com o “pedido” de mais tempo com os netos bebés, se em vez de entrarem a matar, com comentários do género “Ai ele está com fome”, “Não me digas, a mamar outra vez?”, ou tirando-nos o bebé dos braços numa atitude de “Eu mostro-te como se faz”, acreditassem mais em nós, e esperassem que fossemos nós a pedir-lhes conselhos ou ajuda. E julgassem menos as nossas escolhas, interessando-se antes por saber o que nos leva a tomá-las. Porque, como a mãe sabe muito bem (quando não está a fazer de advogada do diabo!), não há maior prazer do que partilhar um bebé com os avós. Não há maior dádiva do que ter outras pessoas no mundo que se babam da mesma forma que nós por aquelas crianças.

Mas, para chegarmos aí, é preciso que percebam que nos primeiros tempos a mãe e o bebé, para ciúmes de todos, incluindo do próprio pai, vão criar entre eles um mundo onde pode ser muito difícil entrar. Mãe e filho vão precisar de um bocadinho de tempo para se habituarem ao facto de que já não são o mesmo corpo. Forçar essa separação antes de um e outro estarem prontos, vai redundar numa frustração enorme. Para todos. E como a mãe bem sabe, mesmo quando eles crescem por vezes voltam a esta dinâmica e, de repente, o miúdo que corria para os braços, esconde-se outra vez nas pernas da mãe. É difícil, mas é mesmo assim. E os avós que percebem que não é nada contra eles, que são fases que passam, são os melhores.

Beijinhos!


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