CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 BARRIGAS DE ALUGUER EM SALDO
Publicado em: 26/07/2022
Imagine-se que o país se tornou, de um dia para o outro, absolutamente infrequentável, e os candidatos aparentemente já não podem dormir sossegados sabendo que os seus óvulos correm o risco de implosão


Os casais que recorriam a mulheres ucranianas para germinarem os seus filhos — e que, apesar do seu inegável sofrimento pessoal, se tornam cúmplices de um negócio que explora a pobreza daquele país — estão desiludidos. Uma investigação de dupla página no Expresso desta semana anuncia que se viram obrigados a mudar os planos para a Geórgia.

O que se passou: imagine-se que o país se tornou, de um dia para o outro, absolutamente infrequentável, e os candidatos aparentemente já não podem dormir sossegados sabendo que os seus óvulos correm o risco de implosão, ou, pior, que o embrião implantado no útero de uma barriga alugada a 45 mil euros (de que a própria recebe uma ínfima parte) poderá ser contaminado por uma daquelas bombas meias químicas que o senhor Putin insiste em continuar a lançar sobre a região. Ai meu rico filho, quem são os pais que arriscariam uma coisa dessas? Para já não falar na possibilidade de nascer e ser deportado para parte incerta da Rússia!

Compreensivelmente o coração dos candidatos não aguenta, preferindo certamente mil vezes que a mulher contratada aceitasse abandonar os seus outros filhos (ter filhos anteriores é condição para se entrar ao serviço), para vir mais para perto, depois de “inseminada” no estrangeiro, evidentemente, porque por cá o pagamento deste serviço é crime e dá dois anos de prisão. Talvez ali para junto do Hospital de S. João, onde uma barriga de aluguer ucraniana deu à luz em março passado, sem que um sobrolho se levantasse. Decididamente eram só vantagens porque, apesar dos fechos e sobressaltos nas urgências de obstetrícia, pelo menos não lhes caem bombas em cima.

Nascida e entregue a criança, desocupado o T0, então a senhora podia voltar à sua vida, que a margem chega ainda para um voo para a Polónia, que estão baratos. Até se dava uma ajudinha extra, desde que não ficasse por cá, porque ainda lhe dava para se intrometer na vida daquela criança que mais não fez do que a criar dentro de si e dar à luz, coisas que como a ciência está cansada de revelar, são obviamente irrelevantes.

Pronto, mas a Ucrânia já não dá, porque a guerra acabou com o negócio que, diz o Expresso, dava origem a 2500 crianças por ano, contratadas por, pelo menos, 14 agências, 55 privadas, e cinco públicas “inteiramente dedicadas a este mercado”.

Paciência, deslocalizaram a atividade, até porque, convenhamos, é uma dor de cabeça passar o dia a responder a casais europeus que ameaçam não pagar a última tranche, se a criança não lhes for entregue em condições. Além de que, como nos mostraram as fotografias, é complicado manter centenas de berços em plataformas de metro e dar biberons e mudar fraldas àqueles bebés todos. E que chatice, o fim da guerra não está para breve.

Mudaram-se, então, para a Geórgia, onde como a pobreza ainda é maior, puderam baixar os preços. Num momento em que a inflação dispara, é bom saber que pelo menos o aluguer de uma barriga desce! Com mais uma benesse, conta o Expresso: aqueles que já iniciaram o processo na Ucrânia, têm um desconto suplementar. A publicidade destas agências, proibida por lei em Portugal, não faria melhor propaganda dos seus serviços do que o artigo em questão, sem qualquer contraditório ou menção à ilegalidade, e falta de ética, deste negócio.

Mas adiante, vamos lá para a Geórgia. Sendo russófila deve estar segura e, quanto ao resto, é contar que, como de costume, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério Público fechem os olhos e os movimentos de defesa das mulheres continuem em silêncio porque, pelos vistos, quando são mulheres a explorar outras mulheres (que, ainda por cima, nem são de cá), já não conta. Quanto aos direitos destas crianças, a quem é que importam?