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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
APRENDER A FICAR CALADO
Publicado em: 09/05/2025
A vontade de nos fazermos de interessantes debitando intermináveis lérias conduz exatamente ao oposto: uma dificuldade crescente de ouvir porque, na realidade, estamos só a contar os segundos para voltar a intervir (repare bem na cara dos comentadores que aguardam a sua vez…).
Juram-nos que desta vez são quase tantos os portugueses a ouvir os debates dos partidos como há um ano, mas eu não acredito — na melhor das hipóteses, deixam a televisão ligada e vão dar uma volta. Mas, se a minha incredulidade em relação a essas audiências é grande, cresce exponencialmente quando alguém me garante que há quem aguente os comentadores que se lhes seguem, a darem notas como se estivessem na final de uma prova de patinagem artística.
Pela minha parte, já dei por mim com saudades do tempo em que a mira-técnica aparecia pela meia-noite, e não havia tanta necessidade de encher chouriços com o material televisivo mais barato que existe: gente a dar opinião, na rua ou no estúdio, somados aos reality shows, claro, em que é só meter um bando numa casa e deixá-los a dizer banalidades 24 horas sobre 24 horas. Paralelamente, os podcasts multiplicam-se como cogumelos, assim como as supostamente conversas íntimas em prime-time, em que entrevistador e entrevistado confessam dramas e traumas passados ou presentes como se estivessem no divã do psicanalista, fingindo que não estão conscientes de que há milhares de pessoas a assistir.
Suspeito de que ganhávamos todos em falar menos, a começar pelos políticos. Vivemos num tempo em que exprimir as nossas ideias e emoções é muito valorizado, em que é suposto embarcar voluntariamente em viagens interiores para nos conhecermos melhor, traduzindo os nossos sentimentos por palavras ou, vá lá, por emojis, em que não “contar tudo” equivale a ter alguma coisa para esconder. Mas e se esta ânsia de nos “mostrarmos” uns aos outros como gente profunda e bem-pensante acabasse por ser um tédio para os demais e uma prisão para o próprio, cada vez mais dependente do feedback que recebe (ou não), seja em casa ou no emprego? Tanta conversa fiada pode ser uma armadilha para a democracia, em que o essencial e o acessório se misturam num pântano que dá origem a cartazes como o do Chega, em que se mancha alegremente o bom nome de quem nos der na cabeça. A vontade de nos fazermos de interessantes debitando intermináveis lérias conduz exatamente ao oposto: uma dificuldade crescente de ouvir porque, na realidade, estamos só a contar os segundos para voltar a intervir (repare bem na cara dos comentadores que aguardam a sua vez...).
Não estou a inventar. A Scientific American garante que, em média, 60 por cento da nossa conversa tem-nos como tema, e 80% desta “revelação pessoal” acontece nas redes sociais.
A revista Time, por seu lado, explica o fenómeno: a veia narcísica faz ativar a mesma área do cérebro do que o nosso prato favorito, libertando dopamina, um neurotransmissor ligado à felicidade e à motivação, o que explica aquela sensação de satisfação quando acabámos de contar uma história em que somos os heróis. E garante que “Aprender a ficar calado pode mudar a sua vida. Pode torná-lo mais simpático, mais criativo e mais poderoso. As pessoas que falam menos têm uma maior probabilidade de serem promovidas no emprego e de vencer negociações. Falar pouco e com foco melhora as relações, torna-nos melhores pais e só acrescenta ao nosso bem-estar psicológico e físico.”
Além disso, quando ruminamos num problema, sobra-nos menos tempo para o resolver. Por isso, anuncio já que vou votar no líder partidário que tiver a nota mais baixa na “Talkaholic Scale”, um questionário criado em 1993 pelos investigadores James McCorskey e Virginia P. Richmond, que cunharam a expressão, e que pretende ajudar as pessoas a avaliar se são faladores compulsivos.
Encontram o questionário aqui: https://www.jamescmccroskey.com/measures/compulsive_communication.htm
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