CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 EDUCAR OS FILHOS PARA A INVEJA
Publicado em: 13/05/2025
Querer o que o outro tem, querer ser como o outro é, pode ser, o combustível para nos pôr a mexer, a dor que nos faz realizar o que realmente desejamos.


Querida mãe,

Venho só informá-la de que a partir de agora vou educar os meus filhos para a inveja. Sim, não se indigne já e descanse, não é uma nova moda da parentalidade, é só uma teoria que acabei de desenvolver e que partilho consigo em primeira mão, está a ver a sua sorte?

Vamos começar pelo princípio: a inveja é sempre vista como um pecado horrível. Um sentimento altamente egoísta e mesquinho, que os bons pais vão dar tudo por tudo para eliminar do reportório de sentimentos dos seus filhos.

Tudo muito bonito, mas… como é que se evitam sentimentos que surgem sem pedir autorização? Por isso, em lugar de deixarmos de sentir inveja, passamos a sentir inveja mais culpa! O que só emaranha o novelo.

E foi porque estava a pensar nisto que dei por mim a concluir que, na realidade, a inveja é capaz de ser das emoções mais úteis que temos. Repare, mãe, nós só sentimos inveja daquilo que queremos muito para nós próprios, por isso, é uma forma fantástica de percebermos aquilo de que gostamos mesmo e aquilo que não nos interessa assim tanto! Funciona como um motivador enorme para lutarmos por aquilo que sonhamos atingir.

Ou seja, quando sentir aquela dor aguda ao ver uma pessoa usufruir ou experimentar qualquer coisa que queria muito para mim, é uma estupidez sentir-me má pessoa por isso! É completamente legítimo e não significa de forma nenhuma que a queira “roubar” a quem tem a sorte e o mérito de a ter.

Para uma criança, pode ser uma ida à Disney; para um adulto, pode ser o recém-nascido nos braços de outra pessoa.

E é aqui que a minha teoria se transforma em prática. Em lugar de dizermos à criança “Tens um parque tão bom aqui ao lado!”, seguido de um sermão sobre a gratidão pelo que temos, bla, blá, vamos consolá-la, se não houver forma de termos/sermos aquilo, mas noutras situações pode ser suficiente perguntar-lhe: “Se queres tanto, como podemos ajudar-te a conquistá-lo?”

Idem aspas com a inveja do adulto: não vale a pena lembrar-lhe que já tem outros filhos, por exemplo, nem tentar mitigar aquela dor, que é real (a inveja dói muito), despejando-lhe em cima argumentos racionais do género “Agora que já dormes à noite, era uma loucura ter um bebé!”.

Dói não ir à Disney, dói sabermos que não voltaremos a ter um bebé! E essa dor tem de ser vista, nem que seja para a arrumarmos depois.

É por isso, mãe, que decidi educar para a inveja. A inveja como barómetro, como diagnóstico dos nossos sonhos!

Alinha na minha nova teoria? Ou vai destruí-la?

Bjs!

***

Querida Filha,

Ia lá eu destruir uma teoria tua?! Acho muito bem que deixemos cair a Inveja da lista dos sete pecados capitais, desde que seja encarada como tu propões. Concordo que querer o que o outro tem, querer ser como o outro é, pode ser o combustível para nos pôr a mexer, a dor que nos faz realizar o que realmente desejamos, mesmo que não nos reste, por vezes, outra alternativa senão conformarmo-nos — acredita que aos 65 anos, continuo a invejar todas as mães que têm um recém-nascido ao colo.

Temos de aprender, porque só depois disso conseguiremos ensinar, que o sentimento em si é o que é, nem bom, nem mau, o que fazemos depois com ele é que importa. E o que fazemos muitas vezes, é preciso dizê-lo, é ficar sentado no sofá sem lutar pelo que supostamente desejamos, enquanto denegrimos quem lá chegou, de forma a justificar a nossa preguiça, incapacidade, ou descarregar a nossa frustração.

Por isso, punha só esse alerta em nota de rodapé da tua teoria: vamos ajudá-los a conquistar os seus sonhos, mas também a conhecerem-se melhor a si próprios e, sim, também as suas limitações. Porque às vezes tenho medo de que estejamos a insuflar de tal forma o ego dos nossos filhos e netos que eles acreditem realmente que podem ser “tudo o que quiserem”, como diz o slogan, sem consciência, inclusivamente, do trabalho, esforço e sacrifício que quem atingiu determinado objetivo investiu em ali chegar.

Mas tenho a certeza de que já pensaste em tudo isto e que, quando estiver apurada a tua “Educação para a Inveja”, vai ser um sucesso.

Beijinhos


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