CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 E SE HOUVESSE UM LIVRO DE RECLAMAÇÕES NAS NOSSAS CASAS?
Publicado em: 27/05/2025
Ana, mas enquanto espero uma resposta, tenho de te dizer que percebi que um Livro de Reclamações é uma ferramenta eficaz para evitar confrontos inúteis com quem atende o público.


Querida Ana,

Ontem usei pela primeira vez um Livro de Reclamações, e estou curiosa por perceber o que vai acontecer a seguir.

Como sabes, porque estavas lá, fomos em grupo de filhas e netas ver o Mamma Mia ao Campo Pequeno (presente de Natal), em Lisboa, e íamos derretendo com o calor na sala. Milhares de pessoas que pagaram bem (os bilhetes são caros, 65€ no 2.º balcão) abanavam-se com leques improvisados, em lugares já de si abusivamente apertados. A coitadinha da tua M. estava quase a desmaiar, a senhora à minha frente quase a desmaiar, e vi várias pessoas saírem maldispostas. Mesmo a qualidade do espetáculo, e era muito bom, não nos conseguia distrair daquele forno.

No intervalo, fui ter com alguns assistentes de sala e perguntei-lhes se havia alguma avaria. Disseram que não. Perguntei se na segunda parte haveria ar condicionado e eles garantiram que não. Pelos vistos é sempre assim, e pior à medida que o verão avança. Não me disseram, mas julgo ter percebido, que quem ali trabalha é duplamente vítima — sofre do calor e também das constantes queixas dos espetadores.

Foi então que me lembrei de pedir o Livro de Reclamações, e com uma grande simpatia conduziram-me à bilheteira onde fui super bem atendida por uma senhora, que me deu uma folha para preencher e assinar, fazendo a minha queixa à Plateia Colossal, Lda., que pelos vistos tem a responsabilidade do espaço.

Expliquei-lhe que talvez o meu protesto assumido, somado a muitos outros, levasse a encontrar uma solução, mas pelo que, entretanto, li na Internet a queixa da temperatura excessiva naquela sala é antiga e constante. Francamente é preciso descaramento para continuar a sujeitar as pessoas àquela experiência e devíamos todos recusar-nos a frequentá-lo enquanto as coisas não mudarem.

Ana, mas enquanto espero uma resposta, tenho de te dizer que percebi que um Livro de Reclamações é uma ferramenta eficaz para evitar confrontos inúteis com quem atende o público. O cliente tem de ponderar se quer formalizar a queixa, identificar-se, etc., etc., mas se decide avançar, sente-se de alguma forma escutado e fica menos irritado. Por seu lado, o empregado (caso não seja ele a causa!), evita envolver-se numa discussão sobre um assunto em que não tem responsabilidade ou possibilidade de solução, enquanto é simultaneamente empático e prestável.

Bem, vou dando notícias dos próximos episódios, e espero não ter de inventar um Livro de Reclamações dos Livros de Reclamações, porque a Internet diz-me que o relatório de 2024 ainda não foi publicado! Em 2023, registaram-se um total de 448.199 reclamações, mas não faço ideia se os queixosos tiveram resposta e se os problemas reportados foram solucionados.

Ah, mas Ana, só mais uma coisa: fiquei mesmo com vontade de arranjar um ca para casa, e assim quando algum de vocês tiver uma crítica a fazer, escrevem-na naquelas folhas pautadas e com um limite de dez linhas, o que além do mais obriga ao poder de síntese. Depois eu leio com calma e respondo com a cabeça fria, no fundo como nestas nossas cartas. Aconselho-te a fazer o mesmo!


***

Querida Mãe,

Acho que tem de ver o copo meio cheio: é verdade que a sua reclamação não serviu para diminuir o calor daquela sala - suspeito que vão alegar que fazia parte de uma experiência 4D em que, para além de vermos o musical passado na Grécia, conseguimos sentir a temperatura do verão grego -, mas, pelo menos, voltou da sua expedição com um papel que usou como leque para se abanar! Além disso, ensinou às suas netas uma forma civilizada e proativa de reagir aos problemas.

Quanto à sua sugestão, subscrevo a estratégia de usar o Livro de Reclamações em estabelecimentos, mas vou gentilmente recusar o Livro de Reclamações caseiros! Nem pense que vou facilitar a vida aos meus filhos no que toca a reclamarem sobre mim. Se tiverem queixas vão ter de arranjar um emprego, com esse dinheiro pagar a um terapeuta e, aí sim, longe dos meus ouvidos, libertarem todas as suas frustrações.


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