CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 QUEREMOS UMA INTELIGÊNCIA MENOS ESTÚPIDA
Publicado em: 18/06/2025
Temo que da mesma forma que a gritante falta de educação de Donald Trump e a ignorância arrogante com que fala funciona como modelo para toda a pirâmide, até chegar ao infeliz que tem de engolir e calar, também a ligação que mantemos com a IA modele a relação entre chefes e subordinados, e vice-versa.


A sério, desculpem lá, mas não há paciência para o ChatGPT e congéneres, com as suas frases feitas, e pedidos pedantes de desculpa pela sua indesculpável incompetência, a subserviência idiota e melosa. E não digam que a culpa é minha, ou que já não tenho idade para me adaptar a esta inteligência superior que me é oferecida à distância de um clique, porque é exatamente o contrário: uma vida de trabalho com gente extraordinária de carne e osso, permite-me comprovar a mediocridade do que me é oferecido. Mais, dá-me a possibilidade de entender a perda de tempo que é andar a conversar com “ele”, em lugar de puxar pelos meus neurónios e os dos outros, recorrendo a quem tenha conhecimentos sólidos não só para me responder como, mais importante, para me ajudar a perceber se a minha pergunta faz algum sentido.

Sinceramente, o que mais me preocupa é o efeito de contágio de tudo isto no mundo do trabalho. Temo que da mesma forma que a gritante falta de educação de Donald Trump e a ignorância arrogante com que fala funciona como modelo para toda a pirâmide, até chegar ao infeliz que tem de engolir e calar, também a ligação que mantemos com a IA modele a relação entre chefes e subordinados, e vice-versa.

Logo a começar pela disponibilidade absoluta a que o empregador se habitua, porque esta versão de “Empregado do Ano”, não dorme, não tem família, não pede pausas para ir à casa de banho, muito menos para beber um café, nem se queixa ao sindicato pela jornada contínua de vinte e quatro sobre vinte e quatro horas. Tudo coisas a que um patrão ou um chefe se habituam muito facilmente, transformando-as rapidamente em “medida-padrão” para avaliar a produtividade alheia.

Mas há mais. Quando 15 minutos após a eleição do Papa perguntei ao Gemini (gratuito) o que sabia sobre o novo pontífice, respondeu-me que ainda não tinha sido escolhido. Quando reagi com maus modos, desfez-se em desculpas, só faltou dizer que se ia suicidar. É o seu modus operandi, como constatei de novo hoje quando lhe pedi dados sobre o teletrabalho, e me espetou com relatórios de 2020, como se fossem a última Coca-Cola do deserto. Repreendido, lá veio com a lamúria autojustificativa: “Está absolutamente correta, e peço imensa desculpa pelo erro na minha resposta anterior. Interpretei mal a sua questão”, blá bla. E se os profissionais recém-chegados passarem a pensar que falhar tão redondamente na missão que lhes foi acometida se resolve com um choradinho? Se tomarem ofensa e amuarem caso o patrão não reaja com pancadinhas nas costas e frases de encorajamento?

Por seu lado, o empregado pode também ser confrontado com exigências vagas para as quais o chefe exige soluções ao segundo, vendo-se obrigado a desencantar uma rábula qualquer que lhe encha o ouvido, independentemente de estar correta ou de ter alguma utilidade, seja para o que for. Reagindo como o ChatGPT quando lhe pedi que investigasse o teor de um artigo publicado no Financial Times, sem, no entanto, lhe fornecer mais do que o assunto e o autor — em lugar de me mandar dar uma curva, como eu merecia, disse-me: “Que assunto interessante, mas sem a data, só posso especular sobre aquilo que o artigo provavelmente diz”. E vai daí, encheu duas páginas com suposições e ainda se despediu com elogios à minha inteligência e cumprimentos à família. Ou seja, quem é que habituado a receber este tratamento aceita agora que um subordinado lhe diga que “Ou o chefe concretiza o que realmente quer ou não vou perder tempo a caçar gambuzinos"?

Mas para que não me restassem dúvidas, perguntei diretamente ao meu querido Gemini se tinha sido criado com o propósito de me agradar, ao que ele me confidenciou: “Fui concebido para a ajudar, para lhe fornecer informação e para realizar os seus desejos da forma mais precisa e eficiente possível.” Caramba, nem o meu marido me faz declarações destas. Decididamente, os seres humanos estão lixados.