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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
POR VONTADE DE MONTENEGRO EU NÃO TERIA NASCIDO!
Publicado em: 06/08/2025
Luís Montenegro acaba de dizer publicamente que, se fosse por escolha dele, eu nunca teria nascido. E mesmo que tivesse visto a luz do dia, seria noutro país, estando impedida de viver com o meu pai, pelo menos em tempo útil. E era altamente improvável que alguma vez me pudesse chamar portuguesa.
Luís Montenegro acaba de dizer publicamente que, se fosse por escolha dele, eu nunca teria nascido. E mesmo que tivesse visto a luz do dia, seria noutro país, estando impedida de viver com o meu pai, pelo menos em tempo útil. E era altamente improvável que alguma vez me pudesse chamar portuguesa.
Porque esta seria a minha história, e a dos meus sete irmãos, se as alterações à Lei de Estrangeiros aprovada à pressa por uma coligação de partidos que pregam a família como um dos seus principais valores estivessem em vigor em meados do século passado, no tempo do Dr. Oliveira Salazar.
O meu pai preenchia todos os requisitos para ser visado por elas. Ponto um, era um cidadão britânico a trabalhar muito recentemente em Portugal quando foi a Londres casar com a minha mãe. O objetivo era, imagine-se, permitir que unida pelos sagrados laços do matrimónio viesse viver com ele para Lisboa. Hoje, só esse gesto seria visto com profunda desconfiança – seguramente, tratava-se de um golpe para escapar do Reino Unido para terras lusas, ambicionando pôr-se à pala das regalias nacionais. Ou da paz que a neutralidade nos permitia, enquanto por lá se vivia na pele a II Guerra Mundial.
Mas se a nova lei estivesse então em vigor, o meu pai seria impedido de fazer o que fez a seguir: “mandou-a” vir umas semanas mais tarde, alugando uma casa para viverem juntos e constituírem família em Portugal, coisa que julgávamos que Montenegro, Ventura e Companhia entendessem ser o propósito do casamento, mas pelos vistos não.
Se fosse agora, melhor dito, se as alterações passarem o crivo do Tribunal Constitucional, começava logo por chocar com a exigência de ter coabitado com a minha mãe em Inglaterra antes de emigrar, coisa que não teria caído muito bem ao tempo e, calculo, que ainda hoje não o seja para muita gente; e chocava logo de seguida com a exigência de só poder solicitar a sua vinda à AIMA dois anos após ter recebido autorização de residência, processo que, como todos sabemos, é uma lotaria que pode demorar uma eternidade. Mas feito o pedido, cabia-lhe ainda esperar até 18 meses pela resposta, e se a resposta não chegasse já não podia, como até aqui, considerar que correspondia a um deferimento tácito. Não, segundo a nova lei, restava-lhe apenas a possibilidade de recorrer para um empanturrado tribunal administrativo, o que, objetivamente, manteria a senhora Dona Pamela do outro lado do Canal da Mancha para todo o sempre.
Quanto à descendência, se apesar da separação tivessem filhos, teríamos nascido no Reino Unido em lugar de Lisboa, como aconteceu, crescido com um pai ausente, caso persistisse em querer trabalhar em Portugal, com poucas ou nenhumas probabilidades de sermos portugueses. O que para mim, que me considero portuguesa até à medula, teria sido uma enorme perda e, eventualmente, face à baixa taxa de natalidade nacional, também fariam falta à nação os já quase cem descendentes portugueses diretos deste casal.
A sério, não sei o que passa pela cabeça desta gente. É uma cedência vergonhosa ao Chega e aos discursos populistas, uma cedência escandalosa a valores contrários aos dos eleitores do PSD e do CDS e mesmo da Iniciativa Liberal, já para não falar na traição a todas as convenções de direitos das crianças que Portugal subscreveu. Mas, acima de tudo, é dar tiros nos pés. Afinal o que pretendemos não é regular a emigração, assegurando que Portugal recebe a mão de obra de que tão desesperadamente precisa, promovendo simultaneamente a integração dos recém-chegados? E não está na cara que esses objetivos se cumprem muito melhor se o trabalhador trouxer consigo a família, do que se aqui permanecer sozinho? Porque, decididamente, só temos a ganhar se os seus filhos nascerem em Portugal ou aqui chegarem pequenos, com idade para frequentarem a escola, a forma reconhecidamente mais eficaz de inclusão, e de, através deles, chegar também aos seus pais, incentivados a aprender a língua, os costumes e os “valores” de um país democrático e livre.
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