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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
OS BASTIDORES DE UM RECIBO DE ORDENADO
Publicado em: 03/09/2025
Depois de ler o estudo da Business Roundtable Portugal (BRP) sobre a Tax Wedge – ou seja, a fatia do custo do nosso salário que vai para o Estado e para a Segurança Social — fiquei com a certeza de que os nossos sucessivos governos andam há anos a dar tiros nos pés, porque a carga que pesa sobre o trabalhador e a empresa é tão excessiva que acaba por ser uma armadilha ao desenvolvimento económico.
O facto de ter um buraco negro no cérebro no lugar onde devia estar a máquina de calcular tem vantagens. Mesmo que a cratera não seja tão grande como a de Donald Trump, a verdade é que me tem impedido de cometer haraquíri sempre que, ao longo da minha vida profissional, me entregam um recibo de vencimento. O que quero dizer com isto? Que olho só para o valor líquido, o dinheiro que vou ter disponível para viver, e ignoro os descontos para isto e para aquilo e para mais alguma coisa, perante a incapacidade de calcular e confirmar todas aquelas percentagens. E porque não quero ficar deprimida.
Mas devia! Depois de ler o estudo da Business Roundtable Portugal (BRP) sobre a Tax Wedge – ou seja, a fatia do custo do nosso salário que vai para o Estado e para a Segurança Social — fiquei com a certeza de que os nossos sucessivos governos andam há anos a dar tiros nos pés, porque a carga que pesa sobre o trabalhador e a empresa é tão excessiva que acaba por ser uma armadilha ao desenvolvimento económico. A pretexto da necessidade de sustentar a enorme máquina com paletes de departamentos e funcionários, pagar aos pensionistas e subsidiar os desempregados, tornam mais ingrata a vida de quem todos os dias dá o litro, diminuem a capacidade de se criarem empregos e limitam o crescimento das empresas.
Foi com certeza a pensar em tornar-nos conscientes deste absurdo que a BRP lançou um modelo de recibo mais transparente, que acrescenta às discriminações habituais, aquilo que a empresa paga por cada trabalhador, ou seja, o nosso custo real. Na prática, isto deixa claro que mesmo quem trabalha no sector privado devia era estar a refilar não só com o patronato, mas também com o governo, porque de cada vez que clamamos por melhores salários o primeiro-ministro do momento esfrega as mãos de contente, seguro de que a maior parte do que nos derem a mais, reverterá diretamente para os seus cofres.
Por exemplo, pegando num salário de 870 euros, um aumento bruto de 150 euros custa 186 euros ao empregador e, no final, chegam apenas 67 euros ao trabalhador. Ou seja, os restantes 119 euros vão para o Estado, o que representa 64% do aumento!
Pus as mãos à cabeça: não faz qualquer sentido que o Estado receba um aumento superior ao do infeliz trabalhador, e este estado de coisas torna Portugal, segundo a BRP, num dos países europeus com a tal Tax Wedge mais elevada – 42,3%. Não espanta, pois, que a economia paralela floresça, que quanto mais baixo for o salário mais interessante seja continuar no fundo de desemprego e que ficar na cama de manhã se torne ainda mais atraente do que aquilo que (para mim) já é.
Fico genuinamente contente que parte do resultado do meu esforço seja utilizado para tornar possível um país onde, por exemplo, a saúde e a escola são tendencialmente gratuitas, mas, como toda a gente, fico exasperada com a ideia de que seja atirado pela janela ou que a máquina pública encarregue de o distribuir acabe por ficar com a maior fatia do bolo. Mas, reconheço, que essa sensação de logro — “Se era para isto, dava eu diretamente a uma ONG!”— poderia ser atenuada se os contribuintes tivessem uma perceção mais clara do quanto pagariam por serviços que recebem gratuitamente. Ao recibo de ordenado transparente, devíamos acrescentar a “fatura sombra”, que já se utiliza nalgumas províncias espanholas: o doente que recorreu a uma urgência ou fez uma operação no SNS recebe a informação detalhada de quanto custou o seu atendimento ou a sua intervenção. Não para pagar a conta, evidentemente, mas para dar valor ao serviço gratuito que recebeu. O mesmo devia ser feito com o custo por aluno, por exemplo. Se pago impostos, mas não entro com os cerca de sete mil euros por ano que o meu filho ou o meu neto custa ao Estado, já sinto que a balança do Deve e Haver fica mais equilibrada. Pronto, levanta-se agora a questão da escola pública e privada, mas essa fica para outra crónica.
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