CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 DEZ DESABAFOS A REPETIR DIARIAMENTE
Publicado em: 30/09/2025
Não são só as crianças que absorvem como esponjas o ambiente que as rodeia, as pessoas mais velhas, como eu, também correm o risco de olhar demasiado para a televisão, e para os noticiários.



Querida Mãe,

Há dez coisas que digo aos meus filhos no dia a dia e que acredito que podem verdadeiramente afetar como veem o mundo. E não, não são conselhos, nem fábulas com um final moral, mas desabafos genuínos.

#1 Todos os dias a caminho da escola, dou por mim a dizer: “Já viram a beleza incrível desta serra?”

“Sim!!!”, respondem a rir, e gozam comigo por me estar sempre a repetir, mas na verdade olham para a serra de Sintra e lembram-se da sorte que temos por viver aqui.

#2 “Estou morta por chegar a casa para continuar a ler o meu livro.”

O meu entusiasmo por chegar ao livro, para saber como a história continua, lembra-lhes o prazer que é ler.

#3 “Hoje custou-me imenso começar a trabalhar, mas depois até foi bom e senti-me mesmo bem quando consegui acabar aquilo.”

Com o tempo, espero que isto lhes dê força sempre que estejam a procrastinar. Lembra-lhes que isso nos acontece a todos, mas que vale a pena andar com o assunto para a frente.

#4 “Preciso mesmo de descansar!”

Se há lição que tenho dificuldade em aprender é conceder-me o direito a descansar. Fico sempre cheia de culpa. É por isso que quero mesmo que os meus filhos me vejam a descansar, que o sintam como qualquer coisa de necessária e normal, e se deem também ao direito de fazer o mesmo.

#5 “Cuidado, não façam barulho porque os pixies assustam-se!”

Não quero mesmo muggles em minha casa.

#6 “Ai, sou tão estúpida! Ah, esperem, também não tenho de me chamar de estúpida por me ter esquecido de alguma coisa!”

Digo-o alto e a bom som, por mim, mas também por eles. É absurda a quantidade de vezes que nos desqualificamos por coisas simples como nos esquecermos de um objeto em casa, por não encontrarmos os óculos, virarmos à esquerda e não à direita, num trajeto novo. Quero que eles sejam mais compassivos consigo mesmos.

#7 “Não me apetece mesmo brincar a isso.”

Não estou sempre disponível, não preciso de querer sempre fazer as coisas que eles querem. Temos uma relação forte, não é preciso ceder, mas aprender a negociar para que ambas as partes estejam confortáveis com a solução.

#8 “A minha ansiedade está a dizer-me que não vou conseguir, mas está a mentir-me.”

Nalguns adultos e em muitas crianças, o rádio da ansiedade está quase sempre ligado em pano de fundo. É preciso lembrarmo-nos que a ansiedade engana-nos e devemos desobedecer-lhe.

#9 “Tenho saudades da/o tia/o, mãe, prima, avó...”

Na correria do dia a dia, muitas das relações mais fortes entre os nossos filhos e as pessoas de quem gostamos é feita por falar, pensar, lembrar essa pessoa, mais do que por as vermos com a frequência que gostamos. Quando mostramos às crianças como estão presentes apesar disso na nossa vida, construímos uma sensação de conexão, que funciona como uma rede sempre presente.

#10 “Apetece-me chorar por este pôr do sol ser tão bonito.”

Sim, mãe, eu sei que gozámos consigo até ao infinito por a mãe chorar por tudo e por nada, mas, o que é certo é que ficou dentro de mim a certeza de que a beleza é uma coisa real, que nos toca e comove, e nos torna mais felizes e que deve procurar constantemente no mundo à nossa volta.

Beijinhos!



***



Querida Ana,

Gostei tanto desta tua carta, obrigada. Vou repetir para mim mesma cada uma destas tuas frases, porque todas elas me assentam como uma luva.

Não são só as crianças que absorvem como esponjas o ambiente que as rodeia, as pessoas mais velhas, como eu, também correm o risco de olhar demasiado para a televisão e para os noticiários, e menos para as coisas bonitas e boas que estão à sua volta. Precisamos da alegria dos mais novos, dos olhos dos mais novos, do otimismo dos mais novos para alimentar a nossa base de dados e não nos tornarmos amargurados e rezingões. Por isso, repete muitas vezes perto deles, e perto de mim, todas estas verdades.


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