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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
NÃO CHEGA PROIBIR UM ADOLESCENTE DE FUMAR
Publicado em: 07/10/2025
A coerência dos adultos que nos rodeiam tem um grande impacto e torna mais provável a transmissão dos valores que defendem.
Querida mãe,
No outro dia passei à porta de uma escola e tive de usar de todo o meu autocontrolo para não sair do carro e tirar o cigarro da boca de uma criança de 12 ou 13 anos. Como sabe, não costumo ser uma pessoa de pedagogias muito autoritárias, mas confesso que me está a custar muito a ideia de que, apesar dos vários esforços de entidades como a OMS e agências fiscalizadoras da indústria do tabaco, como a Stop, continuamos todos tão passivos perante esta realidade. Há quase um encolher de ombros do género, “São miúdos, têm de experimentar estas coisas.” Mas têm? Têm de experimentar um produto que sabemos que é altamente aditivo e que (dados da OMS) mata quase seis milhões de pessoas todos os anos devido ao cancro, doenças cardíacas, doenças respiratórias, doenças infantis e outras, com que está diretamente correlacionado? É a maior causa global de morte evitável.
A Fundação Portuguesa do Pulmão alerta para a necessidade urgente de regularizar (ou eliminar) a loucura do número de aromatizantes disponíveis. Mãe, sabe que a maioria dos adolescentes afirma que não fumaria se só houvesse o sabor a tabaco? Também pedem que se regule melhor a publicidade e os patrocínios, e é evidente que o SNS precisa de mais recursos humanos e financeiros, para que tenha uma rede de apoio à cessação tabágica mais eficaz. Lembremo-nos que a incidência do tabaco sobe em classes com menos rendimento e por isso é fundamental que o serviço nacional de saúde possa funcionar como um ponto de encontro entre quem quer deixar de fumar e os especialistas que possuem os recursos certos.
Mas em casa, mãe, como podemos agir perante esta realidade? Eu sei que limitarmo-nos a proibir um adolescente de fumar não chega. E sei que temos de olhar para as razões que os levam a fumar. Para alguns, a nicotina serve como ansiolítico, para outros, como uma ferramenta para a integração e há ainda aqueles para quem é usada como um estímulo contra o aborrecimento. Como jornalista e como mãe, o que me pode ensinar sobre isto?
***
Querida Ana,
Ainda bem que te controlas melhor do que a tua mãezinha, que não teria resistido a ir arrancar o cigarro à criança, sem que ninguém ganhasse nada com isso.
A verdade é que, enquanto mãe, não tenho conselhos, nem troféus para levantar ao alto. O meu pai era um militante anti-tabaco, num tempo em que não era comum uma oposição tão aberta a quem fumava, e chagava insistentemente a cabeça aos amigos e aos amigos dos filhos que pegavam num cigarro. Sinceramente, parecia-me que aquela política tão fanática produziria o efeito contrário, e que algum dos seus oito filhos ia rebelar-se e só para o chatear começar a fumar, mas nunca aconteceu. Pergunto-me muitas vezes o porquê, e a única conclusão a que chego é que por um lado não fomos expostos em casa ao fumo do tabaco — e sabe-se hoje que ser fumador passivo, além de prejudicial para a saúde, torna mais provável adquirir o vício — e, por outro, a coerência dos adultos que nos rodeiam tem um grande impacto e torna mais provável a transmissão dos valores que defendem.
Quanto ao que te posso dizer como jornalista é que a maioria das pessoas começa a fumar na adolescência e é exatamente na adolescência que a pressão dos pares é tendencialmente maior do que a dos pais. Sabe-se que o mais importante, como dizes, é não experimentar — não começar é mesmo a mensagem central de todas as ações de prevenção.
Como é que se consegue esse feito? O que a escola vai ensinando aos alunos sobre o tabaco é importante, mas o fundamental é a autoestima e reforçar a sua capacidade de dizer não. De conseguir aguentar o desconforto de ser o “santinho”, de suportar a troça e o bullying. Ora, o treino para não ser uma “Maria vai com todas”, esse, sim, começa em casa e desde pequeninos, começa por aceitarmos a validade das suas “tomadas de posição”, mesmo quando preferíamos que nos obedecessem. Não defende contra tudo, mas é um escudo protetor valioso.
Por fim, as campanhas antitabágicas têm de ser muito bem feitas e circular nos meios que eles frequentem, ou seja nas redes sociais e sucedâneos. De preferência, com protagonistas que os adolescentes admirem.
Mas, Ana, estive a espreitar as campanhas consideradas mais eficazes, como a da Truth Initiative, e achei inteligente que utilizassem uma característica típica desta faixa etária, a rebeldia, para os voltar contra a indústria do tabaco, revelando as estratégias de marketing com que os tentam apanhar. Qualquer coisa como “não contribuas para os ganhos dos malfeitores que se aproveitam da tua ingenuidade para te prejudicar gravemente a saúde”. A partir daí, fumar passa a ser visito pelos adolescentes como sinal de fraqueza, de se ter deixado engolir pelo sistema, enquanto que não fumar é uma bandeira de resistência e protesto.
Infelizmente, porém, esta é uma guerra sem fim, porque mal perceberam que os cigarros tradicionais tinham deixado de funcionar tão bem (graças a grandes campanhas de informação), a indústria tratou de “evoluir” para outras formas de manter o negócio, como, por exemplo, o vaping, o que, por sua vez, obriga a adaptar também as campanhas de alerta. Neste momento, é preciso destruir o mito de que o cigarro eletrónico é “completamente diferente” do cigarro tradicional. E que batalha os espera, porque o último relatório aponta que o seu uso está prevalente a partir do 7.º ano do ensino, estando já completamente “entrincheirado” no 9.º e 10.º ano, com um grau de dependência grave, e consequências diretas na capacidade de aprendizagem.
Enquanto isto, os relatórios da Truth Initiative revelam que a indústria já joga a sua próxima cartada e há um risco real de regresso ao passado, nomeadamente através do aumento exponencial de imagens de tabaco no cinema/televisão — um dos meios mais potentes de propaganda do “glamour” da nicotina —, nomeadamente, em várias das séries nomeadas para os Emmys de 2025.
Por isso, Ana, voltamos à tua pergunta inicial — como proteger os nossos filhos e netos? E a resposta acaba por ser a mesma, também: dar-lhes acesso aos factos, com serenidade e sem histerismo, e reforçar a coragem de se distinguirem do rebanho. E se começaram a fumar, não perder a cabeça, dando-lhes apoio para saírem da dependência o mais cedo possível. De resto, boa sorte!
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