CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 TAMBÉM TENHO DIREITO A HINO!
Publicado em: 29/10/2025
Caramba, se os funcionários daquela instituição (Banco de Portugal) vão levantar as vozes aos céus imortalizando o seu ex-governador, também é de direito que cá por casa me façam o mesmo.


Fiquei tão entusiasmada com os excertos tornados públicos do hino de Mário Centeno em louvor do Banco de Portugal, tão emocionada com a métrica e a rima, tão boquiaberta pela capacidade de tornar um assunto tão árido como uma instituição bancária num empolgante apelo a que cantemos em coro que “O Banco é um fiel, o fiel da balança”, que decidi que também merecia um. Caramba, se os funcionários daquela instituição vão levantar as vozes aos céus imortalizando o seu ex-governador, também é de direito que cá por casa me façam o mesmo. A mim e a todos os pais e avós.

Afinal, tal como o Banco de Portugal, “Vamos além de cumprir com rigor a missão”, funcionando na prática como “um farol de navegação”, ou seja, constituindo a instituição financeira a que os filhos e netos mais recorrem. Aqui pelo sul da Europa, onde para o bem e para o mal os laços intergeracionais são muito fortes, as crias vivem alapadas aos progenitores até para lá dos trinta anos, altura em que os pais sacam de todas as poupanças para os ajudar a arranjar casa e se verem livres deles. Uns anos mais tarde, quando (finalmente!) nascem os netos, são chamados a desenrascar mais uns cobres valentes— pois, como escreve Centeno, “a sua função mais soberana é servir os interesses de Portugal”.

Tomando por base um estudo norte-americano já de 2025, porque não há dados nacionais, ficamos a saber que 60% dos avós nos EUA gastam cerca de quatro mil euros por ano com os netos, 53% ajudam com os custos da Educação, 37% com a habitação, 25% com as contas médicas, 60% com roupa, viagens e campos de férias, e por cá será certamente a mesma coisa.

Venha então daí um hino, mas onde raio orientar os 15 mil euros que alegadamente o governador desembolsou para financiar esta operação? A boa notícia é que aquilo foi dinheiro deitado à rua, porque basta encomendar a prosa à Inteligência Artificial e, com uma rapidez que até dói a quem faz da escrita profissão, entregam-nos a partitura.

O importante é ser sintético e preciso no briefing ao criativo, neste caso à versão gratuita do Perplexity, e, depois, ter alguma paciência para ir limando as pirosices com que o robot, ou lá o que é, insiste em adocicar o paleio, eliminando enjoativas menções a amor, abraços e carinhos. Partilho convosco o resultado final, bastando que o leitor troque o meu nome pelo seu, porque a narrativa é seguramente a mesma, juntando-lhe – por recomendação da própria aplicação — uma “melodia solene e grandiosa!”.

Aqui vai:

“Ó Isabel, do talento és CEO,
na família és o banco,
sem taxas de juro, rainha da pena e do cartão.
Se o neto grita “Avó, preciso de tostão!”,
lá vais tu, correndo, feita multibanco em ação.
Na gestão de recursos, não há auditor que te supere.
És diretora de tesouraria, ajustando-se à conjuntura.
No orçamento familiar és rainha do débito, és caixa automática, sem comissões.
És instituição sem fila nem burocracia, és banco ético, filantrópico e com cobertura.
E se algum dia o Banco de Portugal tiver um dilema, vem pedir-te apoio nas decisões.”

O grande perigo é que se a moda pega poderemos vir a ser obrigados a escutar o doutor Montenegro a enaltecer em voz de barítono as virtudes da sua esclarecida governação ao som do Hino da Alegria ou, pior ainda, assistir aos dolorosos debates das presidenciais com “quadros” de ópera. Só não sei é quem será o Barbeiro de Sevilha…