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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
A APANHA DA GARRAFA
Publicado em: 12/11/2025
Enquanto andava na apanha da garrafa, a ministra do Ambiente deve ter lido os meus pensamentos, porque nem de propósito veio relançar com três anos de atraso um Sistema de Depósito e Reembolso de garrafas que deverá finalmente começar a funcionar em abril de 2026, mais vale tarde do que nunca.
Pelos vistos, a emblemática cena de Sousa Cintra a atirar a garrafa de água pela janela do carro enquanto dava uma entrevista em direto à TSF, sem se ter apercebido que o vidro estava fechado, não serviu de lição aos portugueses. Nem deixaram registo na alma nacional os seus protestos difundidos pelas ondas hertzianas – “Que caraças! Agora parti aqui o vidro do meu carro. É pá, que grande porra! Estava a beber uma água. É preciso ser estúpido, pá.” Digo isto porque basta um passeio nas bermas das mais isoladas estradas secundárias para encontrar garrafas de plástico vazias a cada 10 metros, mais recentes ou mais antigas, em bom estado ou já contorcidas pelo sol, num interminável carreirinho de poluição e de pesadelo estético. Concluo que só podem ter sido lançadas de um automóvel, porque por aqueles sítios raramente alguém passa a pé, e consola-me pouco saber que eventualmente algumas já são de material biodegradável, porque não conto cá estar daqui a 50 anos quando finalmente se diluírem na paisagem.
Enquanto as vou apanhando, fazendo a minha boa ação de escuteira, tomo consciência de que a água engarrafada só pode estar demasiado barata, e que se os rins nacionais eventualmente ganham alguma coisa com este consumo em movimento, o ambiente seguramente fica a perder. Tanta campanha, tanto anúncio, tanta aula de Cidadania, e é isto?
Regressada da minha última excursão fui em busca de números, e o site aguadatorneira.pt começou por me informar que, segundo os dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos, a percentagem de água segura em Portugal continental é de 98,85%, um valor de que devíamos estar orgulhosos. E, no entanto, somos o país europeu com maior consumo de água engarrafada per capita, o que a mim me parece coisa de novos-ricos, tendo em conta que a dita associação fez as contas e as famílias poupariam até 1500 vezes se bebessem água da torneira. Mas não o fazem: os dados da Direção-Geral de Energia e Geologia indicam que em 2024 cada português consumiu, em média, 182 litros de água engarrafada, totalizando mais de 1.072 milhões de embalagens, das quais 85% eram de plástico. E o número continua a crescer.
Ao que parece, as razões da preferência pelas garrafas estão em consonância com o espírito dos tempos, já que quando inquiridos os portugueses confessam que suspeitam da água da torneira, certamente seguros de alguma conspiração contra a sua rica saudinha. E desconfiados, como sempre, descreem de todas as garantias de que só lhes chega a casa água mais do que potável. Assim, mesmo quando andam atrelados a bonitas garrafas reutilizáveis, é bem provável que as encham a partir de um garrafão (mas para o caso, do mal o menos).
É claro que a culpa de não estarem no ecoponto não é das coitadas das garrafas, mas entre os selvagens que as descartam ao acaso e os que a elas recorrem por medo de serem envenenados, parece-me que, ó pá, saímos no retrato como verdadeiros bimbos.
Bem, mas enquanto andava na apanha da garrafa, a Ministra do Ambiente deve ter lido os meus pensamentos, porque nem de propósito veio relançar com três anos de atraso um Sistema de Depósito e Reembolso de garrafas que deverá começar finalmente a funcionar em abril de 2026, mais vale tarde do que nunca. Pelo que li no Jornal de Notícias, as embalagens de bebidas não reutilizáveis vão obrigar a um depósito de uns cêntimos que podem ser recuperados contra a entrega num dos oito mil pontos de recolha em todo o país. Com isto, o governo tem a esperança de poupar entre 20 e 40 milhões em custos de limpeza urbana. A senhora ministra não especificou se fico eu com a tara das que vou apanhando pelo campo, mas seguramente foi esquecimento.
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