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DEZ
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 QUANDO AS JOIAS DIZIAM MAIS DO QUE AS PALAVRAS
Sob o tema “Inês de Castro e o poder das Joias”, Isabel Stilwell e João Júlio Teixeira mostraram como pedras preciosas influenciavam políticas



A propósito das comemorações dos 20 anos da Fundação Inês de Castro, Isabel Stilwell, escritora e jornalista, e João Júlio Teixeira, perito e historiador de joalharia antiga, falaram ontem do poder das joias na monarquia. Na conversa entre ambos, que não permitiu distrações a quem se deslocou à Quinta das Lágrimas para os ouvir, partilharam visões, informações e factos, em narrativas bem-humoradas de uma diplomacia do passado que vivia, também, do poder da ostentação.

Lançado o tema, “Inês de Castro e o poder das Joias”, Isabel Stilwell contextualizou o momento: ela falaria mais do lado da ficção e o João do lado do concreto. Ambos, no entanto, iriam a factos e a deduções. Ao emitir a sua visão, a escritora foi ao mito de Inês e Pedro, “fundador” de outras histórias de amor no seio de famílias que se odiavam, para notar «a semente de ódio» entre Afonso IV, pai de Pedro, e o meio-irmão, Afonso Sanches, protetor de Inês.

No século XIV, ainda sem fronteiras nacionais nítidas, D. Afonso V «sente as dores do seu neto Fernando» (filho de Pedro e de Constança Manuel, antes do amor por Inês). Pedro vai tendo filhos com Inês, para preocupação de Afonso IV. Neste breve resumo entram sete anéis, três de diamante, três de rubi e um de esmeralda, que foram inspiração para um romance histórico de Isabel Stilwell. O espólio, concedido a Afonso IV na pilhagem de bens da última invasão muçulmana, passou, por testamento de D. Beatriz de Castela (rainha e mulher de Afonso), para o neto Fernando, e consequentemente para Leonor Teles. Ou seja, Pedro foi ignorado como herdeiro do espólio.


Mito de Inês e Pedro “fundador” de outras histórias de amor no seio de famílias que se odiavam
João Júlio Teixeira assinalou a tradição do império romano, em que as noivas recebiam sete anéis, um para cada dia da semana, mas também o que significavam as joias, enquanto poder económico, de representação e sofisticação. Os embaixadores, exemplificou, tinham de perceber se as joias eram verdadeiras (e sim, havia horas para usar falsas) e capacidade de avaliação para comprarem o melhor para os seus países. As joias, observou, tinham «o poder do não dito», um «papel fundamental na arte política», um «símbolo de poder».

Era «o equivalente a uma conta bancária», comparou, sem descurar a beleza que conferia aos portadores. Na conversa, um pouco alimentada pela curiosidade e questões da jornalista Isabel Stilwell, João Júlio Teixeira foi deixando uma imagem do poder transformador das joias, e a coroa é uma joia, que «transmutam» um ser humano, dando-lhe o poder de mandar. As joias, vincou, representavam «a própria nação» e «o diálogo da joalharia era mais importante do que o das palavras».

Como ilustração, o historiador apontou o valor de algumas joias, o peso e influência que detinham, sendo algumas suficientes para armar exércitos, ou comprar a Quinta do Ramalhão, exemplificou. Ou seja, dotava os portadores de poder negocial e político.


Tesouro da Rainha Santa entre os mais valiosos
Naturalmente, a conversa foi derivando para outras informações, ainda que relacionadas com o tema. O conhecimento de joalharia determinava também o valor ou a utilidade dos embaixadores, «tornava-os mais ou menos úteis», sublinhou o historiador, ao notar, novamente como exemplo, o saber nesta área da Casa de Bragança, na avaliação de diamantes. Aliás, disse, tinham uma balança de quilates.

Após Maria II (1819-1853), perdeu-se a arte do negócio, e, nos tempos de hoje, perdeu-se também um pouco da parte artesanal e artística, «existe mas o muito bom é inacessível». A sessão analisou ainda a razão de tradições de ouro no Minho, Aveiro ou Lisboa, ou as gravações nas pedras preciosas.
Desafiado a indicar tesouros atuais, o perito João Júlio Teixeira apontou, entre outros, o da Rainha Santa Isabel ou a “Cruz de Santo Lenho de Vila Viçosa” (relíquia da Casa de Bragança).

A conversa, que também foi o último ato das comemorações dos 700 anos do nascimento de Inês de Castro, teve moderação e apresentação de Assunção Júdice, presidente da Fundação Inês de Castro.