CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 O DESEJO - MARÇO 2016
Publicado em: 30/03/2016
SERÁ O PIJAMA INCOMPATÍVEL COM O DESEJO? A RESPOSTA É SIM PARA AQUELES QUE DEIXAM AS RELAÇÕES SEXUAIS PARA O FIM E AS USAM COMO SOPORÍFEROS.

"No namoro as pessoas despem-se para ir para a cama, depois casam e vestem-se para se deitarem juntas", disse-me o sexólogo Francisco Allen Gomes, numa entrevista que me deu há muitos anos. Há dias, ao entrar numa das muitas lojas que se dedicam quase exclusivamente a vender pijamas, a citação veio-me à memória. Bastou um relance para a fila de mulheres a pagar na caixa para desconfiar que a vida sexual das portuguesas não anda lá grande coisa. Um google confirmou a suspeita: um estudo recente indica que 35% das mulheres sofrem de falta de desejo sexual, número que muitos especialistas garantem que peca por defeito, subindo a parada para os 50%.
Decididamente, deitar as culpas para o pijama é demasiado fácil. No fundo, é o equivalente a sugerir que tudo correria bem se investissem em lingerie. Será mais próximo da verdade sugerir que o verdadeiro problema está nas pessoas que os usam e se acomodam à rotina, adiando o sexo para último, como um soporífero, justificando-se com a máxima de que o prazer só é legítimo depois do dever. Reside naquelas que estão convencidas de que a vontade de fazer amor surge do nada, depois de dias em que não se trocaram gestos de sedução e de erotismo e em que funcionaram para o outro como homem/mulher invisível? mais depressa o colega de escritório repara no corte do cabelo ou da barba do que a cara-metade que, muito francamente, parece já não olhar, pelo menos com olhos de ver.
Não é difícil chegar a este ponto. Em menos de nada, a vida em comum torna marido e mulher gerentes de uma mesma empresa: as SMS românticas ou de ansiosa antecipação tornam-se em listas de supermercado ou delegação de funções, do estilo: "Tu fazes o jantar, eu vou buscar a roupa à lavandaria."
Quando há filhos, o cansaço pode ser tal, já para não falar na privação de sono, que o desejo entra num coma induzido de que se pode nunca mais acordar. Mas, às vezes, as crianças são apenas a desculpa fácil, mascarando a atração que foi desaparecendo, em consequência de mal-entendidos e zangas que se varreram para debaixo do tapete. Afinal, se o desejo sexual nasce antes de mais na cabeça, e parece que sim, é pouco provável que quem se sente deprimido, rejeitado ou preocupado seja capaz de sentir prazer. Muito menos quando se envolve com o "inimigo".
É claro que o débito conjugal vai acontecendo e diz a estatística que os casados têm uma maior frequência de relações sexuais do que os solteiros, mas, quando inquiridas, muitas mulheres confessam que se limitam a cumprir um "dever", com medo de que eles vão procurar outro colo.
Pronto, mas se a culpa não é dos pijamas, também não é das relações longas, mas daquilo que se faz delas. Não é obrigatório que levem a pontuação máxima na Escala de Aborrecimento Sexual (existe mesmo!), mas se continuar a tratar o desejo a pontapé vai lá chegar de certezinha absoluta.
Esther Perel, uma das maiores especialistas nesta área, descobre a pólvora numa fabulosa Ted Talk chamada The Secret to Desire in a Long Term Relationship (O Segredo do Desejo numa Relação de Longo Prazo, a ver em www.estherperel.com). "É possível desejar o que já temos? Esta é a pergunta para um milhão de dólares", começa por dizer e acaba a constatar o inesperado: os casais que conseguem preservar o desejo são os que já não acreditam que a vontade de "ir para a cama" cai dos céus enquanto se dobra a roupa que se apanha do estendal. São aqueles que sabem que o sexo bom tem de ser premeditado, intencional, com hora marcada!
E, já agora, só mais um conselho extra: da próxima vez que passar por um daqueles cartazes à beira da estrada que anunciam um motel tome nota que a pernoita é mais barata. É a hora em que a clientela desanda porque ninguém lá vai para vestir o pijama e dormir uma noite descansada! Por alguma razão será.