CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 MAIS HERÓIS E MENOS REPÓRTERES
Publicado em: 08/11/2017
Heróis são os jovens de Coimbra que se "meteram onde não eram chamados". Filmar não dispensa o dever de socorro, partilhar vídeos não faz de nós "ativistas".

De telefone com câmara na mão, a cada dia despontaram mais supostos ativistas sociais, na versão digital da famosa secção "O repórter estava lá." Invariavelmente, as filmagens de cenas de violência destinam-se às redes sociais e não às autoridades, que só dão por elas quando a "indignação" as torna virais, levando a que abram os telejornais. Justificamo-nos com a ideia de que a cada partilha combatemos o mal. Mas é treta.

Aliás, entusiasmados com esta militância digital, nem relevamos que há por ali muita gente a presenciar o crime sem levantar um dedo em defesa das vítimas, e que os próprios "operadores de câmara", por vezes, nem sequer chamam imediatamente a polícia. Fechamos os olhos ao facto de estar ali a prova de um outro crime, o de "omissão de socorro". Vide Urban Beach, e no de Coimbra impõe-se perguntar: naqueles prédios ninguém viu nem ouviu nada? Isto quando fingimos não perceber que, a cada partilha destemida, vitimizamos a própria vítima, como aconteceu num caso recente de abuso sexual.

A jornalista Keshia Naurana Badalge escreve que, na grande maioria dos casos, não passamos de "bystanders" (limitamo-nos a assistir), arrogando-nos uma certa superioridade moral. Porque de facto é estranho que os corajosos estejam sempre em casa, e os cobardes na cena do crime. Veja-se, diz, os milhões de comentários inflamados ao vídeo do homem brutalmente arrastado para fora do avião da United Airlines, em abril passado, perante o silêncio de centenas de passageiros (apenas uma mulher protesta).

O pior é que esquecemos os verdadeiros heróis. Os que agem, como agiram os dois jovens de vinte e poucos anos em Coimbra. Esses sim, arriscaram a vida em defesa de valores que nos orgulham. Certamente não saíram de casa para se fazerem heróis, foram-no quando a situação o exigiu. Provaram que Einstein estava mais do que certo quando disse que "o mundo é um lugar perigoso, não por causa do mal, mas dos que assistem sem nada fazer".

O famoso psicólogo Philip Zimbardo, após décadas a estudar como o mal se propaga, concluiu que o verdadeiro antídoto é o heroísmo. Reparou, no entanto, que tivemos a esperteza saloia de arranjar heróis dotados de superpoderes, ilibando-nos de não os procurarmos imitar. Aos nossos filhos, o que dizemos é "Não é nada contigo! Mete-te na tua vida", como se a humanidade fosse assunto que não nos diz respeito a todos.

Zimbardo acredita que não tem de ser assim. Fundou o Heroic Imagination Project, com o objetivo de "ajudar a semear a terra com heróis". Mas para sermos heróis temos de aprender, na escola, nas empresas, nas famílias, que é uma obrigação levantar a voz em defesa daquilo em que acreditamos, sobretudo se os outros se calam, mesmo que as consequências sejam duras e injustas. Porque, defende, o heroísmo não é um conceito abstrato, nem um talento que abençoa alguns, mas uma escolha pessoal, que se faz em cada momento. Muito mais exigente do que pôr um "like".

Nota: uma organização chamada Witness acaba de publicar um guia para a utilização ética de vídeos na defesa dos Direitos Humanos. Vale a pena espreitar. https://library.witness.org/product/video-as-evidence-ethical-guidelines/