CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 A GUARDA CONJUNTA DO BOM SENSO
Publicado em: 17/07/2018
As crianças precisam de estar tanto tempo com a mãe como aquele que estão com o pai. Sem serem desconsideradas. Mesmo quando se evocam os seus interesses e tudo é feito em nome da Justiça.

Está em discussão na Assembleia da República uma petição que propõe que, em caso de divórcio ou de separação judicial, e perante um formato de guarda conjunta dos filhos de um casal, se dê uma alteração do Código Civil, no sentido de se estabelecer a presunção jurídica da residência alternada. O que faria com que esse formato passasse a ser judicialmente recomendado para todas as crianças cujos pais e mães se encontrem a discutir a sua guarda, levando-as a passar tanto tempo com o pai como com a mãe. Entretanto, em reação a esta proposta, surgiu uma carta aberta subscrita por 23 associações que se opõe a ela, referindo que a intervenção do Estado na família tem limites constitucionais e que a residência alternada como regra pode contribuir para o "aumento da conflitualidade e para a instabilidade psicológica das crianças". Havendo quem considere esta medida "um risco enorme" num país "onde morrem 30 mulheres por ano, em média", vítimas de violência doméstica. Em função da polémica instalada, parecem-nos importantes algumas considerações:

1. Os processos relativos à guarda das crianças e à sua residência têm merecido, por parte de alguns tribunais, decisões que nos deviam interpelar, com urgência. Porque foi prática corrente (que ainda se mantém) uma presunção jurídica que fez com que o pai visse limitados os seus direitos ao exercício da guarda dos seus filhos. Mesmo sem que houvesse qualquer alegação, testemunho ou prova de que tivesse protagonizado situações de risco ou de perigo sobre eles. O pai era - e ainda é - discriminado, em sede de Justiça, por identidade de género. E as crianças empurradas para a conflitualidade e para a instabilidade. Diante do silêncio de muitos dos que, agora, se insurgem.

2. Os processos judiciais relativos à guarda de crianças exigiriam tribunais que disponham de protocolos de atuação que considerem, com clareza, as condições indispensáveis para o exercício de uma guarda conjunta, protegendo os interesses de todos. De forma a que deixem de ser tutores de pais. E se cinjam, unicamente, ao nobre exercício de compatibilizar, numa mesma decisão judicial, os interesses dos pais e dos filhos.

3. Será de bom senso que, por isso, muitos tribunais abandonem os pré-juizos, os pré-conceitos e as presunções com que, por vezes, julgam processos desta natureza.

4. Já existem, aliás, tribunais cuja prática de alguns magistrados faz com que, mesmo não existindo condições objectivas para que uma guarda conjunta com residência alternada se dê, entendem, por sistema, decretá-la, sem medirem as consequências (amigas do perigo!) que algumas dessas decisões têm para as crianças.

5. É, pois, sábio que, tendencialmente, se caminhe, a bem da saúde das crianças, para um regime de guarda conjunta com residência alternada, que os comprometa e os envolva, de forma paritária, no sentido duma parentalidade repartida. Mas é imprudente que passe a vigorar, a este propósito, a presunção jurídica da residência alternada que faça deste regime a regra.

6. É, igualmente, indispensável, que os argumentos que se usem para trazer contraditório à medida, agora, em discussão, não lhe colem o drama vergonhoso da violência doméstica e da morte, trágica, de todas as mulheres que resultem dela. E que se deixe de insinuar - duma forma constante e sexista - o pai como presumivelmente perigoso.

7. As crianças precisam de estar tanto tempo com a mãe como aquele que estão com o pai. Sem serem desconsideradas. Mesmo quando se evocam os seus interesses e tudo é feito em nome da Justiça. E precisam de todos na guarda conjunta do bom senso que as proteja.

Isabel Stilwell é jornalista
Eduardo Sá é psicólogo