CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 ACREDITAR NO PRIMO
Publicado em: 03/03/2021
Porque triste é o dia em que os estudantes saem da escola (ou da universidade) com um canudo debaixo do braço, mas a confiar mais nas verdades científicas do primo do que nas dos peritos que podem provar aquilo que afirmam.


É um paradoxo: quanto mais a Ciência sabe, e mais depressa consegue encontra soluções para os problemas, como aconteceu com a vacina contra a covid-19, maior parece ser o número de gente que “compra” notícias falsas, partilha teorias da conspiração e segue verdadeiras seitas que prometem dietas e tratamentos milagrosos.

Evidentemente dá muito mais trabalho aprofundar assuntos que são extremamente complexos do que consumir uma versão simplificada das coisas, mas com uma escolaridade obrigatória de 12 anos há mais de uma década e quase 40% dos portugueses entre os 25 e os 34 anos licenciados, não seria de supor que a tendência fosse a inversa? Afinal, estamos perante uma geração que repete à exaustão ser a mais bem preparada de sempre. Mas o fenómeno não é, nem por sombras, exclusivamente nacional, como fica claro pelas manifestações de gente sem máscara, dos posts nas redes sociais que juram que a pandemia é uma ficção, ou dos que até conseguem fazer malabarismos com os números dos óbitos.

Talvez tenha sido por andar a pensar em tudo isto que espetei as orelhas quando me cruzei na Time com um artigo da psicóloga educacional, Susan Engel, que acaba de lançar “The Intellectual Lives of Children” (Harvard University Press).

Engel explica que todos sofremos de Myside Bias, ou seja, da tendência para preferirmos a evidência que sustenta as nossas opiniões, em detrimento dos dados que põem em causa aquilo em que acreditamos, mas recorda que a escola é o lugar privilegiado para aprendermos a combater esse enviesamento. Se ensinarmos os alunos a “procurar os factos, avaliar a sua fiabilidade, e a usá-la para formar opinião, em lugar de se limitarem a acolher as opiniões dos outros”, teremos adultos capazes de lidar com a avalanche de informação a que são diariamente sujeitos.

Mas, para isto, é preciso que a escola não mate a curiosidade e a capacidade de fazer perguntas. Porque ela está lá antes de as crianças se sentarem nos bancos da escola. Susan Engel conta-nos como os bebés entram em estado de alerta quando, no meio de imagens que lhes são familiares, surge uma que não conhecem — a respiração, o batimento cardíaco e a humidade da pele indicam que repararam que há ali novidade. Nos primeiros anos de vida são esponjas, e mal dominam a linguagem começam a fazer perguntas. Aos três anos fazem, em média, uma pergunta a cada dois minutos. E, a maioria delas, pretende perceber porque é que o mundo funciona como funciona, um desejo de conhecimento que, insiste Engel, define a nossa espécie. Mas pouco depois de entrarem na escola, o ritmo de perguntas passa a ser de uma a cada duas horas, e vai decaindo. Contudo, os bons professores conseguem manter a curiosidade e o questionamento, respeitando os interesses de cada aluno, por muito estranhos que lhe pareçam, envolvendo-os num ensino que os ajude a “resolver mistérios a sério e a adquirir perícia naquilo que realmente move a sua curiosidade”. O que é muito diferente de os mandar pesquisar para o Google e devolver um trabalho que pouco mais é do que um copy-paste.

O passo seguinte é dar-lhes as armas para que possam, em todas as circunstâncias, avaliar a fiabilidade dos factos que recolheram, para que “a sede de conhecimento se torne numa sede de informação confiável.” Qual é a fonte, reúne o consenso da maioria dos cientistas, é replicável, obedece às regras do método científico, e por aí adiante. Porque triste é o dia em que os estudantes saem da escola (ou da universidade) com um canudo debaixo do braço, mas a confiar mais nas verdades científicas do primo do que nas dos peritos que podem provar aquilo que afirmam.