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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
PODE O NATAL SER O PIOR PESADELO DE UM CASAL?
Publicado em: 21/12/2021
Prepare-se, não vai ser fácil. Se lhe serve de consolação, não é para ninguém. Mantenha a determinação e a esperança: lá para o décimo já estará tudo resolvido.
Esqueçam lá isso do Tinder. Se isto das relações se resolvesse com selfies e algoritmos já estava meio mundo feliz no amor e na cama, e a aplicação obsoleta. Não sobravam candidatos a programas televisivos de casamentos à primeira vista e os romances bucólicos com agricultores produziriam uniões eternas e à prova de bala. Digo-vos eu, que ando a pensar nestes assuntos há muitos lustres e todos os anos engulo doze passas para que as minhas amigas sozinhas encontrem finalmente a alma gémea.
Nope, nada disto é simples e, na verdade, ainda está para nascer quem saiba o que faz um casamento resultar. Mesmo aqueles que têm o privilégio de acordar todas as manhãs com a pessoa que amam, não conseguem explicar a fórmula do sucesso.
Mas no meio de tanta incerteza de uma coisa estou segura: as relações tremem no Natal, e só passam de ano à custa de muito Xanax, ou equivalente alcoólico, implicando o engolir de sapos. Em regime de pandemia e semi-confinamentos, com testes e certificados de vacina pelo meio (ou a falta deles), tudo só pode piorar, de tal forma que desconfio que os notários deviam abrir logo a 1 de janeiro de 2022, para evitar o pior.
Mas comecemos pelo princípio. Os primeiros anos de celebrações natalícias em comum são de uma dificuldade equivalente ao Iron Man, porque quando julgamos que sobrevivemos à prova da natação, ainda falta a de bicicleta e a maratona. Ambos querem um primeiro Natal perfeito, mas simultaneamente cada uma das partes está disposta a dar a vida para que se realize segundo as suas tradições. Que são muito mais do que "hábitos", porque contém em si as memórias das pessoas que amámos e já perdemos, de uma infância que não se repete, de nostalgias que embelezamos com a passagem do tempo, tornando-as tão brilhantes e douradas como a estrela que penduramos no ponto mais alto da árvore. E, por isso, irrepetíveis.
O pior é que o outro tem as dele. De que se recusa a abrir mão. E, de repente, discute-se tudo, da logística ao menu. Era o que faltava passar a noite em casa da mãe dele/a, impensável trocar o bacalhau pelo peru ou o peru por camarões, está tudo doido? Rabanadas compradas?! Uma coisa é não gostar de cozinhar 364 dias por ano, outra é recusar-se a pôr a mão na massa e encher a casa daquele delicioso cheiro a fritos que ele associa em absoluto ao dia 24 de Dezembro. Até a sogra não resiste a reagir, oferecendo-se para lhe passar a receita, o que é igual a acender o rastilho da pólvora.
E depois implica-se. Implica-se quando ela se recusa a por a uso os talheres de prata e os copos de cristal do enxoval porque não vão à máquina (e sabe bem quem os vai lavar), e implica-se porque ele entrou em casa com as botas cheias de lama, ou se sentou a ver um jogo de futebol em lugar de aspirar a sala. Implica-se por tudo, é o que eu acho, e em menos de nada o cansaço, as feridas mal curadas, os obstáculos que se julgavam superados parecem regressar ao mesmo sítio, inamovíveis. Até o facto de ela dizer "prenda" e ele "presente", ou dar dois beijinhos, em lugar de um, assumem proporções extraordinárias e, ping, vêm as lágrimas, as dúvidas e as angústias — foi para isto que casei!?
O segundo ano custa menos, o terceiro a coisa vai, ao quinto o primeiro filho baralha tudo outra vez, só lá para o décimo —sim, demora tempo — é que a coisa acontece sem demasiados sobressaltos. Por essa altura já se recriou um Natal de marca própria, uma "fusão", em sentido culinário. Porque, afinal, envelhecer não tem só desvantagens! Feliz Natal.
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