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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
ESQUECIMENTOS: OS MAIS NOVOS DESVALORIZAM, OS MAIS VELHOS ENTRAM EM PÂNICO
Publicado em: 20/01/2022
O que há tempos uma neurocientista me disse e que me tem ajudado é que muitas vezes não se trata de esquecer, porque na realidade não chegámos a registar a informação.
Mãe, mãe...
Ai, esqueci-me do que ia dizer! Tinha uma birra mesmo boa mas evaporou-se-me!
Ontem, tive uma sequência de esquecimentos absolutamente incrível. Pus um jantar a descongelar no microondas, duas horas depois lembrei-me que o tinha lá deixado! Mas antes de lá chegar, esqueci-me. Juro. À hora de jantar fiquei em pânico porque não havia jantar então — repare nisto! — fui ao minimercado comprar coisas para o fazer!! E felizmente quando já estava no carro, de volta, lembrei-me de que o jantar estava no microondas....
É verdade que estava com uma violenta enxaqueca mas, enfim, já me resignei. Esqueço-me e pronto.
E por aí?
***
Ana, que alegria!
Quer dizer não rejubilo nem com a tua enxaqueca, nem com os teus esquecimentos, mas quando faço coisas parecidas atribuo imediatamente à velhice e tenho a certeza absoluta de que são sinais de demência.
Confesso-te, sem te querer deprimir, que se tudo isso me tivesse acontecido a mim a esta hora estava a pedir a eutanásia. É que a grande diferença está aí: enquanto os mais novos desvalorizam os esquecimentos e passam adiante, os mais velhos associam-nos imediatamente à senilidade, e só isso provoca uma ansiedade que só pode agravar o desempenho dos neurónios.
O que há tempos uma neurocientista me disse e que me tem ajudado é que muitas vezes não se trata de esquecer, porque na realidade não chegámos a registar a informação. Por exemplo, estávamos com a cabeça noutro lado quando nos disseram o nome da médica, e por isso não o apreendemos — daí que quando precisamos dele e o tentamos recordar, a tarefa é impossível porque não ficou lá nada. Idem aspas para todas aquelas rotinas que desempenhamos sem pensar.
Ana, isto é importante porque revela que não é propriamente um problema de memória, mas sim de concentração. É uma boa notícia que pode levar não apenas a desdramatizar a “branca” que nos deu, como a perceber que temos de prestar mais atenção ao que queremos realmente reter.
O que liga com a outra coisa que me disse: o multitasking é um barrete. O cérebro não consegue fazer bem várias coisas ao mesmo tempo — até se pode safar, mas é sempre porque baixa a qualidade dos desempenhos. As mulheres são, de facto, peritas em apagar muitos fogos, que remédio, mas o que as distingue é a capacidade de organizar o tempo e as prioridades — será daí que resulta a eficiência e não da simultaneidade das tarefas.
Bem, mas vamos ver as coisas pelo lado positivo, pelo menos ficaste com o jantar para hoje e deste uma grande felicidade à tua mãezinha.
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