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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
COMO É QUE ME PASSOU PELA CABEÇA QUE ERA ISTO QUE IA QUERER?
Publicado em: 21/10/2022
"Será que o nosso futuro Eu vai olhar para nós daqui a 20 ou 30 anos com perplexidade, ou até ressentimento, e perguntar-nos: "Como é que te passou pela cabeça que era isto que eu ia querer?".
Decidi arrumar os meus diários por décadas, em caixas com as datas por fora. Resisti a abrir os cadernos e começar a lê-los, para não atrasar a missão mas também, confesso, por uma mistura de falta de paciência e embaraço perante aquelas novelas romanescas de adolescente apaixonada, sentindo-me sem energia para revisitar a minha vida passada. Sou eu que ali estou, descrita pelo meu próprio punho desde os 13 anos, mas os diários servem, sobretudo, para descarregar dramas existenciais, e feita a catarse andarmos para a frente.
Talvez outro dia me apeteça lá voltar. Hoje não.
E, depois, aconteceu o que acontece sempre que procuramos evitar um assunto, ele revisita-nos de uma outra forma: de entre todos os vídeo-podcasts de que podia escolher, cliquei num TedTalk com o título "Você não sabe o que o seu futuro Eu deseja", de um jornalista de ciência chamado Shankar Vedantam.
https://www.ted.com/talks/shankar_vedantam_you_don_t_actually_know_what_your_future_self_wants
Aquilo que defende é mesmo fora da caixa. Deixem-me ver se a consigo explicar. Quando olhamos para o nosso passado, temos muitas vezes dificuldades em reconhecer-nos. Fomos mesmo aquela pessoa? Aos 12 anos, Shankar era fanático por futebol, capaz de adiar o tratamento de um pé partido para não perder um jogo, mas aos 21, já aquele sacrifício lhe parecia, no mínimo, disparatado; aos 22, no sul da Índia, pensava que o mundo se resumia à eletrónica, sem sequer conceber que três décadas mais tarde viveria nos EUA, seria afinal jornalista e autor de um famoso podcast, Hidden Brain. Mas como pode ser acusado de falta de visão, se era um tempo sem podcasts, nem tão pouco telemóveis que andam nos bolsos das pessoas? Ou seja, diz ele, "O meu futuro não era apenas desconhecido, era impossível de conhecer."
Todos nós temos histórias iguais.
Mas isto é só um aperitivo para a melhor parte. A minha preferida é o paradoxo que vem a seguir: "Quando olhamos para trás percebemos que mudámos muito, e aceitamos a mudança sem grandes estados de alma, mas quando olhamos para a frente, tendemos a imaginar que nesse futuro seremos iguais ao que somos hoje". Ou seja, reconhecemos que o nosso Eu atual já não é o nosso Eu passado mas, no entanto, estamos seguros de que o nosso Eu futuro será um clone do nosso atual, com os mesmos gostos, as mesmas opiniões, os mesmos pontos de vista, os mesmos amores. A isto chama de "Ilusão da Continuidade". A continuidade de uma história pessoal, como se estivéssemos condenados a mais do mesmo.
Volto aos meus diários. Gosto de pensar que a minha essência se mantém, dá-me conforto essa sensação de que partindo da experiência passada e do que sei sobre mim mesma, esteja em condições de garantir que serei a mesma daqui a dez anos. Mas espeto as orelhas, para ouvir com atenção quando alguém me lembra que é melhor pensar duas vezes nisto tudo, porque, afinal, "gastamos tanto tempo da nossa vida a procurar garantir a felicidade do nosso futuro Eu".
Dedo na ferida. E se, como Shankar diz, ele olhar para trás com perplexidade, ressentimento. "Será que o nosso futuro Eu vai olhar para nós daqui a 20 ou 30 anos com perplexidade, ou até ressentimento, e perguntar-nos: "Como é que te passou pela cabeça que era isto que eu ia querer?".
Ah, pois é, tantas oportunidades que desperdiçamos, porque achávamos que não éramos capazes, portas que não abrimos, no desejo de garantir uma estabilidade que, na nossa cabeça, imaginámos sensata, mas que mais tarde só nos traz tédio... As ideias novas causam angústia, e Shankar Vedantam sabe que este paradoxo não é para fraquinhos, e por isso não acaba a conversa sem deixar três conselhos. Que me parecem fazer bem a tudo, e não fazer mal a nada.
1. Alargue os horizontes, dê-se com pessoas diferentes, fora da sua zona de conforto. Procure desafios profissionais e outros que sejam diferentes daqueles que julga que "encaixam" consigo. Mantenha a curiosidade.
2. Cito: "Quando dá a sua opinião nas redes sociais, em fóruns políticos ou à mesa de jantar, não se esqueça de que entre aqueles que podem vir a discordar mais de si, está o seu futuro Eu". Resumindo, mais humildade e menos certezas.
3. Lembre-se que se é verdade que o seu futuro Eu vai ter fragilidades à medida que a idade avança, também vai ser dono de capacidades, forças e sabedoria que não tem hoje.
Por isso, quando colocado perante novos desafios, pense que se neste instante não se sinta capaz de os aceitar, amanhã quem sabe... Ou seja, cultive a coragem.
Hum, acho que vou transcrever tudo isto no meu diário atual e, daqui a 20 anos, digo-vos se funcionam e se o senhor tem razão.
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