CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 AS MÃES TAMBÉM PRECISAM DE COLO
Publicado em: 07/03/2023
Não é fácil ter esse espaço num mundo de redes sociais onde tudo é preto e branco, e em que mesmo as mães que se apresentam como “mais reais” se tornam, por comparação, uma fonte de culpa.


“Já não o posso ver à minha frente.”

Ana, era com esta cara que estava uma mãe com que me cruzei no shopping, seguida por um miúdo de 4 ou 5 anos que não parava de choramingar. Ela nem olhava para trás. Não podia, porque suspeito que se olhasse, o teria esbofeteado. E então continuava a andar em frente, com aquele ar de exaustão que só outra mãe reconhece e compreende.

É claro que ignorá-lo não contribuía nada para o fim da birra, mas provavelmente dava-lhe a ela, a oportunidade de gerir a nuvem negra que pairava sobre si. Não fiquei para ver o fim da história, mas imagino que, entretanto, respirou fundo e encontrou algures nas suas reservas mais uma migalha de energia para resolver a questão.

Imagino, também, pondo-me no seu lugar, que sentiu uma enorme culpa por ter desejado por instantes que quando olhasse para trás ele se tivesse sumido no ar, como que por magia, e ela fosse de novo uma mulher sem filhos, livre de fazer o que quisesse com o tempo, livre de começar e acabar um pensamento sem interrupções, de dormir uma noite inteira. Imaginando-se má mãe porque — acha ela — as boas mães nunca sonham com coisas destas.

Ana, houve muitos momentos em que já não vos podia ver à frente — geralmente um de vocês, à vez —, num misto de cansaço e medo de ter criado um monstro, certa de que se vos tivesse educado com mais regras, mais firmeza, mais atenção, mais qualquer coisa, não me chagariam o juízo daquela maneira. Não me sufocariam com as vossas birras e exigências, com as vossas crises existenciais de adolescentes, com a crueldade com que punham o dedo nas minhas feridas.

Se nesses segundo vos odiei? Se calhar. Como já odiei por segundos todas as pessoas que mais amei e amo na vida.

É assim e não faz mal, desde que a mãe tenha alguém que lhe dê colo nestes momentos, alguém com quem possa desabafar e perceber que nada do que sentiu faz dela uma criminosa, ou uma má mãe.

Espero que esta mãe que vi hoje tenha alguém que lhe dê o mimo que tenho a certeza de que precisa. O miúdo, esse, está óptimo com toda a certeza!


***


Querida Mãe,

Conhecendo-a como conheço só me surpreende que não tenha ido ter com ela para lhe dizer tudo isto ao vivo! Parece-me que ela agradecia!

A questão é esta: que colo seguro é que esta mãe, que todas as mães, podem ter para confessar estas coisas? O das amigas com filhos, e com quem se compara constantemente? Junto das que não têm filhos, e com quem ela faz um esforço para não falar constantemente das crianças? Aos seus pais, que já andam tão ansiosos por verem a filha cansada e exausta e que acabam por, inadvertidamente, insinuar que se ela fizesse x ou y podia estar mais descansada? Ou a criança mais “bem-educada”?

Não é fácil ter esse espaço num mundo de redes sociais onde tudo é preto e branco — até as parentalidades positivas —, e em que mesmo as mães que se apresentam como “mais reais” se tornam, por comparação, uma fonte de culpa...

Tenho uma nova amiga inglesa que veio viver para Portugal, e que diz que daquilo que mais sente a falta é da comunidade de mães: com trabalhos a tempo parcial, salários melhores e licenças de maternidade muito maiores, conseguem beber um café depois de deixar os miúdos na escola, encontrar-se nos parques infantis, aproveitando para pôr a conversa em dia com as outras mães, o que lhes permite ir desabafando e tornando-se cúmplices no crescimento dos seus filhos.

As mães portuguesas precisam de mais apoio, de mais comunidade e de mais convívio com outras mães, convívio ao vivo e a cores, não só porque a amizade que se gera é uma almofada para os embates da vida, mas porque nos mostram, ali bem à frente dos olhos, como os miúdos são, mais coisa, menos coisa, todos muito parecidos.


Siga no Instagram: https://www.instagram.com/birrasdemae/
Siga no Facebook: https://www.facebook.com/birrasdemae/