CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 O EFEITO DO TELETRABALHO NO AMOR
Publicado em: 08/03/2023
Posso andar distraída, mas não vejo ninguém preocupado com o efeito do teletrabalho sobre a vida amorosa das pessoas, nem sequer estudos que indaguem se diminui a possibilidade de encontrarem a pessoa certa para um relacionamento duradouro. Mas à medida que o número de vítimas aumentar, vão aparecer investigadores interessados no assunto, isso garanto-vos eu.


Antes de descartar o meu eureka, por favor, siga o raciocínio.

A maioria de nós tende a arriscar pouco. Podemos já não exclamar “Bah”, como em crianças, perante um prato desconhecido, mas, na realidade, torcemos o nariz se nos puserem à frente – no meu caso — uma dose de caracóis ou orelha de uma qualquer criatura. É claro que se fizermos cerimónia, ou estivermos muito apaixonados por quem nos sugere a experiência, é provável que arrisquemos uma garfada, mas se nos derem a escolher preferimos saltar a prova.

E não reagimos de maneira muito diferente em todas as nossas outras escolhas. Vamos pelo seguro, pelo familiar, por aquilo que nos permite mantermo-nos na nossa zona de conforto, mesmo que, de quando em vez, nos dê para um lance mais arrojado. Não é de estranhar, por isso, que as estatísticas de onde é que as pessoas encontram a sua cara-metade revelem que a maioria casa com alguém que conheceu no liceu ou na universidade (20%), ou lhes foi apresentado por um familiar ou amigo (50%). Optaram por quem, mesmo sem entrar em considerações psicanalíticas, encaixa no retrato robot fantasiado a partir das referências mais próximas. Na verdade, os casais pertencem habitualmente ao mesmo grupo étnico, e têm idade, nível de escolaridade e religião semelhantes — e há até uma forte probabilidade de que em solteiros morassem na mesma localidade.

O ponto de encontro que se segue em popularidade, e que também tem (ou tinha?!) muito peso, é o local de trabalho. O lugar onde nos encontramos com um leque muito diversificado de pessoas que não são escolha nossa, mas que a proximidade física e o convívio regular imposto pela situação levam a considerar, mesmo sendo uma carta fora do baralho. Na prática, quem nunca seria selecionado por critérios racionais, ou mesmo inconscientes. Alguém diferente, inesperado, que vence estereótipos e preconceitos, e obriga a crescer e a dar um salto em frente, com toda a energia e disposição para a mudança que a paixão arrasta consigo.

Mas, e agora, que os colegas passam a avatares num ecrã de computador, limitados à ordem de trabalhos da reunião zoom, e não há surpresas, nem momentos inesperados, comentários que fazem levantar a cabeça da secretária e trocar um olhar cúmplice com um (até aí) desconhecido? Quantos super-homens ou mulheres passam despercebidos porque não há palco para que nos espantem com a coragem demonstrada num confronto com o chefe ou na defesa de um colega mais frágil, nem a necessidade de nos abrigarmos debaixo de um chapéu-de-chuva partilhado, ou de aceitar uma boleia?

Consultado o Chat GPT — estamos em dia de arriscar! —, informa-me que segundo um estudo dos Archives of Sexual Behaviour, um terço de todas as relações no local de trabalho são românticas. Mas é claro que se pode ter enganado, porque também diz que nasci e morri em Toronto e que o meu marido é primeiro-ministro em Portugal desde 2013.

Hum. E então as aplicações, sites e programas de televisão que prometem encontrar a nossa alma gémea ou, quem sabe, até casar-nos com um agricultor? Aparentemente não funcionam muito bem quando o objetivo é uma relação mais séria. Provavelmente porque — voltando ao início — é o próprio a lançar os dados, a definir o seu perfil e a selecionar o perfil desejado quando, na realidade, a estrela da companhia não fazia parte do seu catálogo de possibilidades. Essa, ia descobri-la, para sua grande surpresa, onde menos esperava encontrá-la — das nove às cinco, no escritório. Mas, e agora?