CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 O FLAGELO
Publicado em: 17/07/2024
O que incomoda os nossos políticos, o que fica mal e causa indignação, é deixarmos fugir a suposta “massa cinzenta”, aqueles que apesar das bebedeiras, festas académicas, programas de Erasmus, greves de transportes e vicissitudes várias, conseguiram suar as estopinhas para concluir os cursos e acalentam o legítimo sonho de serem recompensados por bons empregos e ordenados.


Acumulam-se as medidas do Governo para proteger e beneficiar os “jovens”. Ele são descontos no IRS de fazer roer de inveja um honesto amanuense, isenções de impostos nas compras de casas, empréstimos concedidos com garantias públicas, enfim, um verdadeiro bodo aos pobres, de duvidosa equidade, tudo com o declarado e assumido propósito de estancar o “flagelo” da fuga dos cérebros.

Ou seja, a preocupação não é a de dificultar o êxodo da malta que vai servir à mesa para Birminghan, assentar tijolos em Lyon ou fazer camas nas estâncias de inverno dos Alpes suíços, que pelos vistos se podem pirar à vontade, mesmo que depois a malta passe o tempo a vilipendiar quem lhes vem tomar os lugares. Não, o que incomoda os nossos políticos, o que fica mal e causa indignação, é deixarmos fugir a suposta “massa cinzenta”, aqueles que apesar das bebedeiras, festas académicas, programas de Erasmus, greves de transportes e vicissitudes várias, conseguiram suar as estopinhas para concluir os cursos e acalentam o legítimo sonho de serem recompensados por bons empregos e ordenados.

Mas o que talvez não passe pela cabeça dos nossos governantes é que esta narrativa pode não assentar nas medidas de todos os mancebos. É que muitos deles, espante-se, não têm vontade nenhuma de ficar por cá, mesmo que lhes metam no bolso mais vinte, ou trinta ou até cinquenta por cento do salário. Tudo isso são ninharias quando a alternativa são carreiras em grandes empresas e marcas de encher o olho, com o prestígio associado, a expectativa permanente de agarrar outras e melhores oportunidades e, sobretudo, o sentimento de reconhecimento que os estimula a crescer e a lutar por serem melhores. É esse o futuro que merecem e pelo qual lutam, e que não há “subsídio” nenhum que substitua. Porque aqui, como em todos os países desta parte do mundo, é o mercado que vai determinar se há mais gente a sair ou a ficar. Dificilmente as políticas locais podem alterar esses movimentos, mesmo que sirvam para atirar aos olhos das mãezinhas latinas, entre as quais me incluo, que votam em que lhes prometa trazer os filhos de regresso ao ninho. E vamos ser sinceros, a angústia dos pais por não terem as suas crias nos almoços de domingo e se verem obrigados a assistir ao crescimento dos netos pelo WhatsApp é contrabalançado pelo enorme orgulho que sentem ao vê-los singrar enquanto pessoas e trabalhadores.

Como país devíamos sentir o mesmo — foi o nosso esforço individual e coletivo que permitiu mais e melhor ensino, que tornou possível que cada vez mais jovens “tirassem” licenciaturas, mestrados e doutoramentos, num avanço gigantesco, ainda mais visível entre as mulheres, e emigrassem em condições que nada têm que ver com aquelas em que partiram os seus pais e avós. E esperem, será que já ninguém se lembra de que foi para ter acesso a uma livre circulação no mercado de trabalho que entramos na comunidade europeia? Exatamente para que não fôssemos condenados a ser eternamente rotulada pela nossa origem pobre e atrasada?

Contudo, o mais absurdo é que o dinheiro que, enquanto sociedade, vamos gastar nesses estímulos de insucesso garantido, vai depois faltar para procurar aliciar para Portugal grandes empresas e companhias, tarefa tanto mais difícil quanto todos os países as querem. Porque, ideologia à parte, são essas que podem realmente servir como polos de atração de gente competente — quer cá tenha nascido ou não —, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento e crescimento económico do país.