CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 O LADO B DAS FÉRIAS
Publicado em: 29/07/2024
Temos todos dentro de nós um buraco negro, maior ou mais pequeno, que nos dias bons está ofuscado por estrelas, mas que, de vez em quando, parece sugar-nos para dentro dele. Como se fosse um gigantesco aspirador e nos quisesse transformar num daqueles sacos de vácuo, num espaço em que não fica nem uma molécula de oxigénio.

Quando andamos entretidos na nossa vidinha, arrumados nas nossas rotinas, apaixonados pelo que fazemos, é mais fácil imaginar que este abismo não está lá, ou que foi encolhido definitivamente, despojado de todo o seu poder.

Mas depois vêm as férias.

Um tempo pelo qual ansiamos, porque precisamos de descansar, de cortar com tudo, um tempo em que, finalmente, poderemos "não fazer nada". Deitados numa toalha na areia quente, a olhar para o azul infinito, vamos conseguir abstrair-nos do relógio de ponto, da voz do chefe, dos prazos, das reuniões por Zoom, da caixa de emails perpetuamente cheia. A mensagem que imaginamos para o "out of office" diz tudo — "Estou nas Caraíbas, quero lá saber dos seus problemas!"

E num primeiro momento somos tomados por uma adrenalina que nos embebeda, ocupados a fazer e a desfazer malas, a trasladarmos a nossa existência de um lado para o outro, e está tudo bem, mas depois, quando a miragem da toalha se transforma em realidade e, finalmente, a cabeça fica mais vazia, muitas vezes somos invadidos por um nervoso miudinho, por uma ansiedade, ou mesmo uma angústia, que nos envolve e sufoca. Preocupamo-nos com tudo e mais alguma coisa, sendo que o "mais alguma coisa" vai das eleições americanas à lata de cogumelos que ficou por comprar, elaboramos cenários catastróficos, ou nem sequer conseguimos pensar em nada, invadidos por uma inquietude que só nos dá vontade de fugir. Pegamos no telemóvel como se fosse uma boia de salvação, na esperança de que qualquer coisa que apareça no ecrã nos devolva o foco, e remeta o buraco negro para o seu devido lugar. Outras vezes, irritamo-nos ou zangamo-nos, geralmente com quem fazemos menos cerimónia, mas também pode ser com o aselha ao volante que nos ultrapassa pela direita, porque a ira funciona como um antídoto para a ansiedade e a ação, mesmo que só das cordas vocais, parece que por momentos nos sossega. Tomara a nós chorar, mas as lágrimas não caem quando estamos demasiado assustados — fomos programados para, nesse caso, assumirmos o modo de "luta ou fuga", e o sangue foge dos neurónios para as pernas para nos dar a força de nos pormos a andar dali.

Sentimo-nos estúpidos, porque estamos em férias, caramba, e não somos tão doidos que não tenhamos consciência de que ninguém nos está a ameaçar... exceto nós próprios, o que é triplamente aterrador.

Mas é porque já sabem ou intuem que as férias podem ser o paraíso da angústia que, tanta gente, é workaholic, evitando tirar uns dias que seja, ou levando consigo o trabalho para onde quer que vá, aparentemente incapaz de se desligar do computador ou do smartphone, multiplicando tarefas supostamente urgentes, representando o papel do imprescindível.

É esse receio de ser atacado pelo "vazio" que dá origem às férias atoladas de atividades e programas, de horários ainda mais rígidos do que os que se suportam no restante ano, por vezes sujeitando a família a um verdadeiro regime militar, num impulso que, por vezes, até os próprios desconhecem de onde vem. Saltam do jogging para a bicicleta, da bicicleta para a natação, atiram-se para as filas dos hipermercados ou dos mercados, organizam almoços e jantares em que implicam todos os que vivem sob o mesmo teto, lutam contra a areia que invade o apartamento (ou até a praia!), e têm no grelhador o seu maior aliado, isto quando o orçamento não permite gastarem os dias em aeroportos e aviões, para acabarem em estâncias com horas para tudo.

Mantêm-se ocupados, fugindo a ficarem sozinhos consigo mesmos... Não está mal. Porque a verdade é que só quando nos investimos em objetivos com sentido, que nos agarram a mente, e nos fazem sentir vivos, úteis, com um propósito, é que somos capazes de afugentar esta angústia existencial, que faz parte de sermos pessoas. Paradoxalmente é esta consciência da morte, que mais nenhuma espécie aparentemente tem, que torna a vida tão preciosa. Mas melhor ainda é sermos capazes de a encarar de frente e aceitar que vai estar sempre lá, e depois entregarmo-nos ao único antídoto realmente eficaz: conhecermo-nos melhor e aprendermos a viver plenamente, o que não é sinónimo de andarmos sempre a correr.

Se alguma coisa do que aqui escrevi faz sentido para si, avance para a casa seguinte: leia de "Olhos postos no Sol", do espantoso terapeuta e filósofo Irvin D. Yalom, o autor de livros tão extraordinários como "Quando Nietzche chorou". Se prefere um filme vá ver o "Divertida-Mente", (que não é para crianças pequenas, mas para adolescentes e adultos) e veja daquilo que a Ansiedade é capaz quando deixada à solta. Boas férias (apesar de tudo).