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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
BASÍLIO ADOLFO DIZ QUE A CULPA É DO FINÓRIO DE SAXE-COBURGO
Publicado em: 02/08/2024
As declarações mais alucinadas, e que devem ter levado Fernando de Saxe-Coburgo-Gota a saltar do túmulo, foram as em que repetidamente insistiu que estes protestos eram delírios de “famílias finas” que julgam que Sintra lhes pertence.
As reações do presidente da Câmara de Sintra aos protestos dos residentes contra os graves problemas de mobilidade no centro histórico, levam-me tristemente a concluir que o Dr. Basílio Adolfo Horta depois de uma transumância política que o levou da União Nacional ao CDS e deste ao PS, recua agora para um discurso populista, tomado pelo espírito de Donald Trump.
Pessoalmente tive o privilégio de o ver reagir com educação e jogo de cintura às cíticas que ao longo dos anos tenho feito ao facto de residentes e visitantes serem esmigalhados pelo trânsito neste lugar património mundial, mas as suas declarações em resposta a uma iniciativa cívica da Associação QSintra, a que nem sequer pertenço, deixaram-me indignada.
A ação foi simples e pacífica — quem aqui vive ou trabalha foi convidado a colocar nas janelas ou paredes das suas casas, nas portas das suas lojas ou estabelecimentos, faixas coloridas com frases contundentes, mas civilizadas, como por exemplo “Trânsito Caótico a todos prejudica – Residentes e Visitantes”, “Sintra diferente de Disneyland”, ou “Queremos Sintra Viva e Habitada”. Não havia insultos, não eram nem contra o turismo, nem contra os turistas.
Muitos aderiram, a comunicação social interessou-se pela denúncia e a notícia da revolta chegou a todos os cantos do mundo. As reportagens deixaram ver em direto os engarrafamentos, e deram voz à indignação de quem não pode sair de casa a partir das nove da manhã, de quem leva uma hora a fazer um percurso de cinco minutos dos turistas exasperados. Aliás, factos que, seguramente, seriam corroborados pelo próprio presidente da Câmara se aqui residisse.
Mas como reagiu o Dr. Basílio Adolfo Horta à exposição pública da realidade, nomeadamente numa entrevista ao Observador e na sessão da Assembleia Municipal? Com um discurso enraivecido e contraditório, misturando alhos com bugalhos, gesticulando e ameaçando que ”registava” quem apoiava a iniciativa, como se estivéssemos no tempo da outra senhora.
O que disse que tanto me espantou?
1. Que o protesto era apenas o de uma associação (a que, pateticamente, fingia constantemente esquecer o nome) e não dos moradores, como se não visse as faixas colocadas nas casas e nas montras de quem aqui habita e trabalha.
2. Que nem em Barcelona e Maiorca se assistira a uma indignidade como esta. Aparentemente preferiria gritos nas ruas, vidros partidos e alojamentos locais vandalizados.
3. Que o centro histórico (leia-se a Vila) já está protegida, classificando tudo o resto como meras “vias de acesso”, aparentemente esquecendo que a Paisagem Cultural consagrada pela Unesco corresponde a toda a encosta norte, a que se somam centenas de hectares de uma área tampão que comete à CMS proteger.
Contudo, as declarações mais alucinadas, e que devem ter levado Fernando de Saxe-Coburgo-Gota a saltar do túmulo, foram as em que repetidamente insistiu que estes protestos eram delírios de “famílias finas” que julgam que Sintra lhes pertence, e que não suportam que os seus antigos criados e jardineiros venham passear ao seu “feudo” (sic). E como o leitor pode pensar que exagero, cito a parte mais empolgante do seu discurso na Assembleia Municipal de 25 de julho de 2024:
“Há uma mentalidade retrógrada que acha que Sintra, o centro histórico, não é para todos. Falam em turismo de massas? Mas o que é o turismo de massas? É o turismo com massa? O pobre não pode ser turista? Isso era uma época em que só os aristocratas é que viajavam. Era uma época em que os aristocratas vinham das suas quintas ao centro de Sintra tomar o seu chá e o povo andava de enxada na mão a plantar nos jardins e a cavar nas hortas deles. Hoje não é assim! Felizmente hoje há povo (sic) e ainda bem que há. Há quem não goste, que a classe média e baixa possa fazer turismo e o proletariado possa fazer turismo e que haja cada vez mais possibilidade de o fazer. (...) Também querem impedir a imigração, e é um erro enorme...”
E foi assim que de uma assentada o Dr. Basílio Adolfo Horta não só nobilitou todos os que pretendem defender Sintra, como deixou claro o seu verdadeiro plano para, ao final de quase onze anos de mandato, resolver o atentado ao património que representa este fluxo constante de trânsito: aproveitando o balanço da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, com as suas “Marias Antonietas” nas janelas, corta a cabeça a quem se atreva a protestar, e ao jeito de Robespierre, propõe-se agora guilhotinar os que há pouco elogiava, como no seu discurso comemorativo dos 25 anos da classificação da Unesco: “A Paisagem Cultural é este conjunto que todos conhecem: os palácios, parques, palacetes e chalés, envoltos numa vegetação exuberante e numa harmoniosa complementaridade entre paisagem natural e uma intervenção humana riquíssima (...) os seus habitantes e residentes, quais donos da classificação, que integram, com as suas quintas e palacetes que pontuam a serra e contribuem para a paisagem excecional.”
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