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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
OS “VAPES” DO NOSSO DESCONTENTAMENTO
Publicado em: 14/08/2024
A Sociedade Portuguesa de Pneumologia já fez mil alertas e acusa a indústria do tabaco de usar “táticas predatórias” para promover o consumo junto dos mais jovens.
O objetivo das férias é descontrair e abstrair de tudo, criando clareiras que deixem o espírito respirar. E, provavelmente, seria capaz de atingir a meta se a minha mãe não me tivesse contagiado com a convicção de que estamos neste mundo para “salvar” uns tantos, quer nos fiquem gratos, quer não. Aliás, matraqueou o mantra tão bem que garantiu não só a sua própria eternidade (está viva dentro de mim 24 horas por dia), como o meu inferno — não consigo presenciar nenhuma cena que me indigne sem me meter ao barulho. Foi o que aconteceu quando no barco a caminho da ilha do Farol, quatro adolescentes sentados à minha frente sacaram dos seus vapes, expelindo com proficiência baforadas de fumos com cheiro a morango e baunilha!
Como ficar calada? Miúdos de 14 ou 15 anos vítimas da armadilha do “Todos fazem”, ingenuamente presos num vício que se alastra por todo o mundo, e que tem fortes probabilidades de lhes deixar os pulmões feitos num oito?
Procuro conter-me, dedilhando perguntas a uma especialista em comportamentos aditivos nos jovens. “Compram-nos onde, com aquela idade?”, pergunto, e a resposta regressa, clara: “É fácil, vai alguém mais velho comprar e ainda recebe um bónus do vendedor. Ou nem lhes pedem um comprovativo da idade. A cem metros da escola”. Não inventa — um inquérito publicado na revista Drug and Alcohol Dependence confirma que 95% dos jovens portugueses compram tabaco sem qualquer dificuldade.
Ponho nova questão: “E as recargas, como confirmam a segurança dos líquidos que contêm?” Não confirmam, nem eles, nem aparentemente mais ninguém.
Aclarei a voz para transmitir tudo isto aos meus vizinhos fumadores, mas controlei-me. Desta vez consegui. Já cresci o suficiente para saber que só mudamos se somos interpelados por alguém que admiramos e com quem mantemos uma relação de afeto e confiança, e os adolescentes não são exceção. Decididamente, essa pessoa não era a “maluca do cacilheiro”.
Pois, amadureci alguma coisa, mas não o suficiente para responder por mim se ficasse por ali mais tempo, por isso mudei-me rapidamente para a outra ponta do convés. Mas não desliguei.
Em teoria, devia ser suficiente fazer-lhes a lista dos malefícios, mostrar-lhes os casos dos miúdos com lesões graves, que morreram mesmo, ou abrir-lhes a página com a evidência de que os utilizadores de cigarros eletrónicos ficam mais expostos à acumulação de chumbo e urânio, o que não é nada bom para os neurónios em desenvolvimento, mas a questão é que pouco lhes interessa o futuro. É mil vezes mais importante ter sido incluído nesta peregrinação à praia com os amigos, ou fumar para caber num biquíni igual ao da melhor amiga.
A Sociedade Portuguesa de Pneumologia já fez mil alertas, e acusa a indústria do tabaco de usar “táticas predatórias”, para promover o consumo junto dos mais jovens, nomeadamente através de influencers digitais pagos para promover os seus produtos — como se combate uma ofensiva destas? Pagando aos seus ídolos para dizer o contrário? Os especialistas garantem que o poder aditivo destas drogas é tal que o ideal é nunca sequer experimentá-las, trabalhando com os miúdos a coragem de dizer Não, e a autoestima suficiente para almofadar o desconforto da troça dos pares.
Ai, mãezinha, quero lá saber! O benefício de já ter 64 anos devia ser qualquer coisa como “Já cá não vou estar, eles que resolvam”, mas ainda não cheguei a esse ponto — continuo preocupada com aqueles quatro miúdos a caminho da ilha do Farol.
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