CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 A PRAGA DAS CAIXAS AUTOMÁTICAS
Publicado em: 28/08/2024
Sim, refiro-me ao desafio das caixas automáticas, onde uma vozinha irritante invariavelmente pergunta se pusemos o produto na balança, acusando-nos de termos metido a couve-flor ao bolso, e que acaba por, já histérica, nos mandar chamar alguém de carne e osso porque o sistema encravou.


Já odiava hipermercados e supermercados com os seus corredores infinitos a abarrotar de produtos que me parecem idênticos — como é que é possível que existam mil champôs diferentes, centenas de variantes de iogurte ou de esfregonas? —, mas nos últimos tempos ao sacrifício de encher o carrinho com o que é (supostamente) essencial para a sobrevivência da família, juntou-se uma prova final que me enche de desespero. Sim, refiro-me ao desafio das caixas automáticas, onde uma vozinha irritante invariavelmente pergunta se pusemos o produto na balança, acusando-nos de termos metido a couve-flor ao bolso, e que acaba por, já histérica, nos mandar chamar alguém de carne e osso porque o sistema encravou. Então lá vem o enfadado empregado procurar apagar o fogo, mas invariavelmente precisa de chamar o chefe que, senhor de um cartão mágico, anula o suposto erro, para que tudo comece praticamente da estaca zero. Safos deste passo, temos ainda a surpresa de uma cancela que só abre se fizermos um scan do recibo de pagamento, o que nos obriga a pousar os sacos todos e a apalpar os bolsos ou mergulhar na carteira para tentar descobrir onde raio metemos o papel.

Vá lá, força, faça troça, como cá por casa troçam, diga que isso é coisa de velhinha incapaz de acompanhar a evolução dos tempos, porque só levantei este assunto, evidentemente, porque tenho finalmente na manga a resposta que arruma com todos os bullys do idadismo e, melhor ainda, comprova preto no branco que, afinal, sou é uma visionária.

Ah, pois é, atente lá neste título da BBC, “Será que os supermercados atingiram o pico dos self-scan?”, seguido da notícia de que as grandes cadeias estão a recuar, reconhecendo que foram longe de mais, e optando por recolocar mais gente nas caixas. A cadeia inglesa Booths, em Novembro passado acabou completamente com o checkout automático, argumentando que prefere atender os clientes com “inteligência real”, prevendo-se que outras lhe sigam o exemplo, num mundo onde em 2023 o valor global dos sistemas de self-checkout estava avaliado em 4,35 mil milhões de dólares. Para além de um aumento exponencial dos roubos, as queixas dos clientes são muitas, sobretudo — lá está — quando o carro está cheio, mas uma das justificações mais comuns, e que é descartada por aqueles que imaginam que a relação entre o cliente e o prestador de serviços é meramente utilitária, é a de que as pessoas sentem a falta da conversa e da atenção da pessoa que as atendia, e que se sabia adaptar às suas necessidades. O sorriso e a piada que inesperadamente se troca, o cuidado a ajudar a colocar os produtos no saco, o comentário simpático ao penteado, a partilha da exasperação com qualquer coisa (nomeadamente a subida dos preços), a curiosidade por um bebé que se traz no marsúpio, todos esses pequenos momentos são extraordinariamente valorizados, aquecem a alma e, mesmo de um ponto de vista comercial, são ouro na ligação afetiva à marca. Segundo disseram os entrevistados pela BBC, e é fácil perceber que a sua opinião é universalizável, há até quem escolha sempre que possível o mesmo funcionário, o que, isso sim, é um indicador que os gestores devem ter em conta. Empregados bem formados, com bons salários e premiados pelo seu talento de comunicação, são um filão muito mais interessante...

Dito tudo isto, é claro que as caixas automáticas não vão desaparecer, nem sequer as grandes marcas inquiridas pela BBC apontaram nesse sentido, mas também não vão tomar completamente o mundo. Pelo menos não do meu.