CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 PAIS SOB PRESSÃO
Publicado em: 10/09/2024
Os dados indicam, de facto, uma preocupação crescente em relação à saúde mental dos filhos, ao seu futuro, sentindo a ameaça da segurança, nomeadamente nas redes sociais, mas também um muito maior investimento afetivo na missão de serem os melhores pais do mundo.


Os pais de filhos com menos de 18 anos estão exaustos, vítimas de um stress brutal, e não sabem como dar conta do recado. Em 2023, nos EUA, 33% confessavam-se “Muito stressados”, percentagem que se ficava pelos 20% nos restantes adultos, com metade dos pais a afirmarem que há dias em que estão com a cabeça em água, por oposição a 26% da restante população. No topo das suas angústias, 66% coloca as preocupações financeiras, o que só acontece a 39% dos outros americanos.

Mas há mais. Ensanduichados entre um aumento de horas de trabalho — a média cifra-se em 33,5 horas, o que representa um acréscimo de 28% para as mães —, e mais tempo dedicado aos filhos, acrescentam ainda à conta cuidar dos próprios pais. A conclusão é evidente: adeus ao tempo para si próprios, inclusive para dormir, e obviamente para o casal.

Como sei tudo isto? Porque o Surgeon-General dos EUA, uma espécie de Provedor da Saúde, acaba de lançar um documento com o título de “Pais sob Pressão” (Parents Under Pressure), que faz o ponto da situação da saúde mental e bem-estar dos 63 milhões de pais norte-americanos, e garante que é dramática, com consequências graves no futuro das crianças.

Tem pinta ver definir, ao mais alto nível, a “parentalidade” como uma questão de interesse nacional, tal como faz Vivek H. Murphy, em lugar de se bater na cansada tecla da baixa da natalidade, o que só por si não resolve nada. À medida que lia aquelas quarenta páginas, percebi que a situação dos pais portugueses não se afasta muito da dos seus congéneres norte-americanos, e que Murphy põe o dedo na ferida quando diz que para além das políticas de proteção à família é preciso valorizar a parentalidade em si — perceber o enorme esforço que representa educar uma criança, sobretudo com o grau de exigência que os pais de hoje impõem a si mesmos, e entender que esta é uma tarefa que nos deve importar a todos.

Mas, será que na busca de colmatar as negligências do passado, podemos ter caído no extremo oposto? Vivek H. Murphy reconhece que “As metas de sucesso e realização pessoal parecem agora mais difíceis de atingir, com uma intensificação da cultura da comparação que cria expectativas em relação aos marcos de desenvolvimento, às estratégias parentais e aos objetivos que os miúdos e os pais devem atingir. Perseguir estas expectativas irrazoáveis deixa muitas famílias exaustas, em burnout, sentindo-se constantemente em falta”. Pior, o longo e intenso contacto com as famílias e educadores, levou-o a perceber “que a culpa e a vergonha se tornaram omnipresentes, muitas vezes levando os pais a esconder as suas dificuldades, o que perpétua um círculo vicioso, onde o stress leva à culpa e a culpa a mais stress”.

Os dados indicam, de facto, uma preocupação crescente em relação à saúde mental dos filhos, ao seu futuro, sentindo a ameaça da segurança, nomeadamente nas redes sociais, mas também um muito maior investimento afetivo na missão de serem os melhores pais do mundo. Em termos práticos, isto significa que em 2022 “gastaram” mais tempo a cuidar deles do que em 1985 — as mães passaram de 8.4 horas semanais para 11,8 horas, enquanto os pais registam um inédito crescimento de 154%, ou seja, passaram de 2,6 horas para as 6,6 horas por semana. Leram-lhes mais livros, levaram-nos à porta da escola, acompanharam-nos às atividades extracurriculares, brincaram com eles, e tudo isso são ótimas notícias, mas será que, sem querer, não lhes estão a roubar a autonomia, a sobrecarregá-los, a eles e a si próprios, com uma ansiedade de que ninguém sai impune? Só o tempo o dirá. Mas, entretanto, nós, os que estamos menos cansados, temos de apontar menos o dedo e ajudar mais as famílias que nos rodeiam, mesmo que “não nos sejam nada”. É, pelo menos, esse o conselho do Surgeon-General, e parece um bom princípio.