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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
POR FAVOR, INVENTEM UMA VACINA CONTRA A ESTUPIDEZ
Publicado em: 23/10/2024
Se no caso das vítimas da guerra, desproteger os filhos não é uma questão de escolha, como se explica que o mundo ocidental pareça disposto a atirar borda fora uma conquista que tem salvo milhões e milhões de crianças?
Em Gaza, um bebé ficou parcialmente paralisado por ter contraído pólio, uma doença gravíssima que há 25 anos não dava sinais de si naquela região graças à vacinação, mas que a guerra voltou a deixar à solta. E, nesse momento, até Netanyahu percebeu que era urgente deixar entrar as Nações Unidas com um enorme contingente de doses, porque aos vírus pouco lhes importam as nacionalidades, os muros ou os arames farpados.
Enquanto isto, em Portugal, surtos de sarampo e de tosse convulsa fizeram as primeiras páginas dos jornais com números superiores aos que já se tinham obtido em anos anteriores, crescendo o número dos pais que não cumprem o Plano Nacional de Vacinação, à semelhança do que acontece noutros países.
Se no caso das vítimas da guerra, desproteger os filhos não é uma questão de escolha, como se explica que o mundo ocidental pareça disposto a atirar borda fora uma conquista que tem salvo milhões e milhões de crianças? A resposta pode estar numa sondagem que a Gallup repete pela terceira vez ao longo dos últimos 24 anos, e que permite uma explicação: a desinformação mata.
Senão, veja. Em vésperas de eleições nos EUA, questionaram os americanos sobre este tema, concluindo que “São menos os que acreditam que a vacinação infantil é importante, com 40% a manterem que é extremamente importante que as crianças sejam vacinadas, número que desceu dos 58% em 2019, e de 64% em 2001. Regista-se uma baixa similar quando se combina com a percentagem dos que consideram ser “extremamente” ou “muito importante, que era de 94% em 2001 e agora se fica pelos 69%”.
Mas foram mais longe, correlacionando o partido em que os inquiridos tencionam votar com a posição face às vacinas, o que permitiu perceber que entre Democratas pouco mudou nos últimos vinte anos, e que a descrença está praticamente confinada aos Republicanos, os principais alvos de um discurso antivacinas, sobretudo durante os anos da pandemia, e do “algoritmo” que espalha teorias da conspiração, que vão do lobby das farmacêuticas à convicção de que são usadas para introduzir chips no corpo, numa versão de ficção científica. A diferença entre os inquiridos de ambos os partidos, que era, até aqui, negligenciável, situa-se agora nos 37 por cento.
Mas há mais descobertas assustadoras, reveladoras, digo eu, de uma geração protegida por um programa de vacinação e que não teve (ainda) de lidar com a morte ou incapacidade permanente provocada por estas doenças. O trabalho da Gallup revela a existência de um grupo pequeno, mas em crescimento, que afirma que as vacinas são mais perigosas do que as doenças que foram criadas para prevenir — são 20% os que partilham desta opinião, número que se ficava pelos 6% em 2001. E, também aqui, a correlação com a cor política é forte: são 31% os Republicanos que pensam assim, contra 5% dos Democratas.
E que desesperados devem ficar os cientistas que ano após ano têm desmentido a suposta ligação entre vacinas e autismo, ao verificarem que são 13% os americanos que acreditam na falácia, número que em dez anos cresceu dos 6%.
Uf, depois disto dou por mim a revisitar as afirmações do pediatra Mário Cordeiro, no seu livro sobre “A Verdade e a Mentira sobre as Vacinas”, que recomendo — "Não tenho um pingo de paciência, nem de tolerância para com aqueles que desejam um retrocesso civilizacional, fechando os ouvidos à Ciência e deitando por terra aquilo que foi construído pelo esforço de tantos, ao longo de décadas.” Já então lamentava que não houvesse vacina para a estupidez, e eu assino por baixo.
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