CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 “MULHER DOENTE, MULHER PARA SEMPRE”
Publicado em: 30/10/2024
Temos mais dores do que os homens, desde sempre. É um facto comprovado pela ciência, mas nem sequer precisávamos de batas e microscópios para testar aquilo que qualquer rapariga confirma mensalmente desde a puberdade.

Sentimos mais dores, e falamos mais delas, treinadas desde pequeninas a usar a linguagem para expressar emoções, com mais liberdade para o fazer, ao contrário dos homens ensinados a esconder sentimentos, afogando tantas vezes o mal-estar de formas socialmente permitidas, como por exemplo no álcool.

Não estou para aqui a inventar, está escrito nos manuais. E, afinal, como era possível que não conhecêssemos melhor o nosso corpo, quando ele se transforma a olhos vistos, não só ao longo de um ciclo lunar, como quando passamos uma e outra vez, pelo processo de gerar uma vida, colada a nós, dependente de nós, que nos muda por dentro e por fora? Ah, e depois há o parto, que por muito que o pintem de cor de rosa é uma explosão de dor como nunca sentimos antes, aliviada por uma epidural apenas em meados do século XX, mas ainda tantas vezes endeusada, como se fosse necessária para provar que somos realmente mulheres com maiúscula, condição para amar a "criatura" que damos à luz.

Seguem-se depois as sequelas, e são muitas as que constam dos manuais da Medicina, mas a que nos vamos conformando como inevitáveis efeitos secundários, tantas vezes agravadas pelas flutuações hormonais que, um dia, vão desencadear a menopausa. Essa que obriga, de novo, o corpo a dar mil voltas, mais camufladas do que nunca, envoltas num tabu, a que tantas vezes as mulheres aderem por falta de informação e/ou porque acarreta consigo como que uma perda de estatuto, como se a infertilidade as diminuísse. A verdade é que os estrogénios desaparecidos fazem falta para tudo, para os olhos que ficam mais secos, e já toleram mal as lentes de contacto, para a pele que enruga e perde elasticidade, nos sítios mais visíveis e nos outros igualmente, veneno para as articulações que doem e rangem e — esperem, esperem! — para as malditas costas que, de repente, parecem ainda mais desconjuntadas.

Mas a dor feminina tem sido de tal forma ignorada, que data nem de há uma década, a consciência de que até os medicamentos que enchem as prateleiras das farmácias estão doseados para o corpo masculino, pela simples razão de que são testados somente em ratinhos machos, primeiro, e depois em grupos de controlo sobretudo masculinos, para evitar que as flutuações hormonais confundam os resultados.

Pronto, já chega? Já chega tudo isto para aceitarmos que as nossas queixas são legítimas, que faz todo o sentido recorrer aos médicos e procurar soluções, e que só nos fica bem sermos proativas no esforço de melhorarmos a nossa qualidade de vida?

Nunca chega! A razão e a ciência estranhamente não parecem ser suficientes para afastar o sentimento de culpa de cada vez que dizemos alto que nos dói aqui ou ali, para afastar o comentário trocista de alguém que lembra o ditado que garante que "Mulher doente, mulher para sempre!"; para calar a piadinha sobre a dor de cabeça que, supostamente, é apenas um pretexto para afastar o sexo ou para silenciar os que acreditam que contratar uma mulher é menos rentável do que empregar um homem, imaginando que elas encontram sempre "pretextos" para faltar (o que é mentira).

Temos urgentemente de mudar de discurso, porque a mais pura das verdades é que a dor contínua não faz bem a nada, sendo hoje considerado o quinto sinal vital, valendo tanto como a febre, a frequência cardíaca e respiratória, e a tensão arterial, mensurável através de uma Escala de Dor.

Esqueça a ideia de que aguentar a dor vai fazer de si uma heroína, porque o que a medicina demonstra é que quando suportamos indefinidamente a dor, o que na realidade conseguimos é apenas baixar o nosso limiar de tolerância. O que é pior que mau, porque quanto mais baixo for, mais reativos vamos estar ao mais pequeno estímulo. Por outras palavras, o cérebro desesperado por não se conseguir fazer ouvir, grita mais alto, cada vez mais alto, até ao ponto em que o alarme permanece permanentemente ligado, sendo cada vez mais complicado desligá-lo. E em dois tempos a dor deixa de ser um sintoma de alerta, para se tornar numa doença de direito próprio.

Mas hoje, felizmente, temos médicos que se especializam no tratamento da dor, que a respeitam e sabem tratar. Tenhamos nós a inteligência de lhes pedir ajuda... e, já agora, de acatar os seus conselhos.