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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
UM PAÍS QUE NÃO SABE O QUE QUER
Publicado em: 18/12/2024
Há duas coisas que me estão a dar a volta à cabeça – uma, o esforço idiota e inglório empregue para que os portugueses que não querem cá ficar, cá fiquem e a segunda, o esforço idiota e inglório despendido para que os que cá querem ficar, se vão embora.
Há duas coisas que me estão a dar a volta à cabeça — uma, o esforço idiota e inglório empregue para que os portugueses que não querem cá ficar cá fiquem, e a segunda, o esforço idiota e inglório despendido para que os que cá querem ficar, se vão embora.
Vamos à primeira: as políticas destinadas a desincentivar os jovens de sair de Portugal, chantageando-os com isenções e oferendas para que, por favor, por favor, pensem nos velhinhos que cá andam, antes de pensarem em si próprios. Enquanto os pais encaram com orgulho a emancipação dos filhos, premiados com bons empregos e bons ordenados graças ao seu mérito, e o povo regozija pateticamente com os tachos na estranja de Costa, Barroso, Guterres e por aí fora, os governos quando chegam ao poder — julgando falar ao coração dos eleitores —, simulam a síndrome do “Ninho Vazio,” num choradinho que alterna benesses com recriminações de ingratidão. E, por momentos, a nação arruma na gaveta a adorada narrativa de que o mundo deve tudo à nossa epopeia, com a respetiva glorificação dos tempos em que “éramos grandes” e nos metíamos em caravelas do tamanho de cascas de nozes para desbravar o desconhecido, e apela a que fiquem antes aqui pelo bairro.
O meu ponto é que tanto agora, como no passado, todos ficámos a ganhar com os que se aventuraram a partir, alargando horizontes que os tornaram menos provincianos, menos assustadiços e mais capazes de arriscar, ganhando uma bagagem cultural e empresarial que nunca teriam adquirido se não tivessem saído de cá. Quando abrimos um livro de História, o que constatamos é que, desde sempre, foram os embaixadores e os mercadores regressados cheios de ideias que levaram à modernização do país. E hoje não é diferente — abençoado Erasmus que permite que, pelo menos alguns, larguem as saias da mãe.
Aquilo de que precisamos, isso sim, é que regressem mais à frente, com experiência profissional e de vida consolidada, capazes de mudar cabeças, seja nas empresas ou na política. E, para que assim seja, temos a sorte de poder contar com uma ligação muito forte à família, o sol, a gastronomia e a segurança, mas precisamos de diminuir a aversão crónica às grandes empresas que são as únicas que podem pagar melhores salários e dar perspetivas de carreira. E, já agora, ajudava que não os tramássemos com as habituais greves de transportes quando têm a feliz ideia de querer vir a casa passar o Natal.
A segunda perplexidade: perante a incapacidade de agilizar a legalização (ou não) dos imigrantes que querem viver e trabalhar em Portugal, vão-se apresentando projetos de lei, com um cheiro a xenofobia e tantas exceções como os dedos das mãos e dos pés, como é aquele que agora pretende restringir o acesso ao SNS para impedir uma espécie de “turismo de saúde”, mudando a Lei de Base da Saúde. É populista e preguiçoso, dado que até os próprios autores confessam que se sabe pouco ou nada sobre este “fenómeno”. A única coisa que nos dizem é que nos últimos 4 anos apareceram 140 mil não residentes à porta de uma Urgência, sem seguros ou acordos, ou seja, em média, 35 mil por ano. Para um país com 24 milhões de entradas de estrangeiros por ano, isso representa uns extraordinários 0,1%, mas que no entender dos deputados serão responsáveis pelo congestionamento dos hospitais e, porventura, pelas toneladas de horas extraordinárias dos médicos. Mas como podem resistir se são só vantagens: dá manchetes, atira a culpa dos nossos problemas para os outros, e não há o menor risco de que a lei venha a ser aplicada, e muito menos avaliada.
Sinceramente, para um povo de emigrantes que usufruiu alegremente, durante décadas a fio, dos sistemas de saúde dos outros, ficava-nos bem um bocadinho mais de generosidade.
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