CRÓNICAS E ENTREVISTAS

 E SE VOLTARMOS ÀS DELÍCIAS DO CONFINAMENTO?
Publicado em: 28/01/2025
Voltámos tão rapidamente ao nosso rebuliço que apesar de já termos vivido a experiência de parar tudo, diríamos que seria impossível que se repetisse.


Querida Mãe,

Faz-me um favor? Manda fechar o país outra vez, como na altura do confinamento? Sem ser por causa do COVID — não queremos ninguém doente. Lembro-me tão bem de lhe escrever uma das nossas primeiras Birras a dizer como tinha sentido o confinamento como um enorme alívio porque estava numa fase em que parecia que estava sempre a correr atrás de um comboio. Agora sinto-me igual e suspeito que não sou só eu. Voltámos tão rapidamente ao nosso rebuliço que apesar de já termos vivido a experiência de parar tudo, diríamos que seria impossível que se repetisse. Já voltámos a dizer “Seria impossível não ter esta reunião amanhã” ou “Gostava de parar, mas não posso mesmo, porque me marcaram este deadline”. Somos peritos a autoconvencermo-nos de que não há outra saída, que não temos outra hipótese senão andar como os ratinhos a correr na roda gigante.

Somos bons a pôr a culpa toda no contexto que, obviamente, pode ser factualmente complicado e exigente, de forma a eliminarmos a nossa própria responsabilidade no estilo de vida que temos.

A mãe, que dirigiu jornais diários e revistas semanais onde os prazos são apertados e o stress é grande, para além dos seus três filhos, importa-se de me explicar qual é o segredo? Como vivemos neste ritmo acelerado, sem nos limitarmos apenas a sobreviver? Como conseguimos descobrir alguma paz no meio do caos? Conte-me tudo!

***

Querida Ana,

Agora foste lembrar-me as delícias do confinamento, não é justo porque, tal como tu, tenho a certeza de que nunca mais se repetirá. Que me desculpem as pessoas que odiaram ficar fechadas em casa, em teletrabalho com miúdos à perna, mas para mim fica a memória de paz e sossego, de passeios longos, de dias de escrita sem interrupções, e em que não me sentia em falta para com nada, nem ninguém (inclusivamente filhos e netos).

Mas a nostalgia que agora manifestamos é sinal de que por defeito de fabrico ou de educação, precisamos que seja uma autoridade superior a mandar-nos parar — é triste precisarmos de uma tragédia, de uma doença grave ou de epidemias para nos tratarmos com um bocadinho mais de compaixão.

O alívio que senti na altura ao ver cair cada um dos meus compromissos deixou-me perceber que andava a dizer demasiados “sins”, onde devia dizer “nãos”, a aceitar missões que me desgastavam para lá do razoável. Permitiu-me tomar consciência do grilo falante interior que me desinquieta sempre que me sento num sofá, equiparando descanso a preguiça. Mas, o mais triste desta história é que pelos vistos não aprendemos nada. Ou muito pouco. Apesar de tudo, consigo estabelecer melhor prioridades e guardar mais tempo para mim, mesmo que continue a lutar para não lhe chamar “egoísmo”.

Acredita, Ana, que em muitos aspectos é bom envelhecer e envelhecer ao lado das pessoas de quem gostamos, com mais clareiras para viajar e passear. Digo-to não para fazer inveja, mas como uma meta de esperança. Essa corrida vai acalmar. Um dia.

Falas de um emprego exigente e de três filhos e perguntas como é que aguentei? Não faço a mínima ideia, e sempre que vejo uma mãe rodeada de crianças num corredor do supermercado pergunto-me como foi possível. Mas agora que penso nisso, digo-te com toda a honestidade o que me vem à cabeça neste momento.

1. Tive ajuda, muita ajuda, da Fátima e do Pedro Piteira (é justo nomeá-los), sem os quais vocês teriam ficado a fazer serão na escola e sem sopa ao jantar.

2. Adorava o meu trabalho, e quando estava na redação, esquecia completamente os meus filhos. E que alívio que era. É um balão de oxigénio de que todas as mães precisam, porque as crianças são exigentes e cansativas, e os pais também têm direito a recreio.

3. Recebia um ordenado que me permitia ajudar a cobrir as despesas da casa, das escolas e tudo o resto. O outro lado da moeda era calar a culpa de estar convosco menos do que aquilo que a tua avó recomendava. E entre o “trauma” de passarem sem mim e o “trauma” de não poderem comprar a camisola que ambicionavam ou ir ao campo de férias com os amigos, vocês felizmente preferiam o primeiro! Confesso, comprei-vos de vez em quando.

4. Era mãe de três filhos. E se te parece contraditório vir agora falar de filhos, é porque não me estou a explicar bem — sem o vosso amor e o sentido que davam (e dão) à minha vida, seria impossível sentir-me inteira. Gosto mesmo muito de trabalhar, sou feliz em frente de uma página em branco, mas apenas porque sei que amo e sou amada, independentemente de lá escrever alguma coisa de jeito.

Não sei se esta receita serve a mais alguém, mas aqui fica. E quanto a ti, querida filha, põe-te por uma vez em primeiro lugar, que o mundo e os teus filhos só ficam a ganhar com isso — não é o que tu me garantes todos os dias que aconteceu convosco?


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