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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
O ESTADO NOVO ESTÁ ENTRE NÓS!
Publicado em: 29/01/2025
É, sem tirar nem pôr, o modelo concebido pelo Estado Novo e que tem vindo a ser paulatinamente refinado desde então. Ou seja, parte-se sempre do princípio de que o cidadão é um vigarista, pelo que a sua palavra não vale nada, exigindo-se que o demonstre à exaustão.
Um sobrinho meu decidiu mudar de carro. A família cresceu e o antigo começou a dar muitas despesas. O rapaz é, como a generalidade da sua geração, preocupado com as questões da sustentabilidade, clima, ambiente e todas essas coisas. Angústias que se agravaram quando passou a ter a sua própria descendência, levando-o a pensar mais no futuro. Quando lhe repeti a graça de Oscar Wilde que diz qualquer coisa como “Porque é que nos havemos de preocupar com as próximas gerações se elas não fizeram nada por nós?”, não achou qualquer piada!
Isto tudo para dizer que decidiu comprar um carro elétrico. Ao menos que não contassem com ele para aumentar a pegada de CO2! Ainda por cima tinha sabido que o Estado português, indo ao encontro deste legítimo e louvável anseio, contribuía generosamente com 4.000€, incentivando assim a troca. Congratulou-se com este passo em frente dos governos nacionais e começou imediatamente a pesquisar nos sites virtuais alguma oportunidade que lhe permitisse ganhar a medalha de cidadão eco responsável, sem ter de gastar um balúrdio.
O primeiro balde de água fria recebeu-o quando descobriu que, afinal, o incentivo das 4 milenas exigia que o automóvel a comprar fosse novinho em folha. Tremeu, mas não caiu! Afinal de contas até nem era pior e tinha margem para apertar umas despesas sem estoirar o orçamento familiar. Logo a seguir percebeu que só lhe davam a massa depois de ter pago o carro. Pronto, é chato, mas resolve-se com empréstimo de um pai bondoso, a quem se restitui o crédito logo que a papelada esteja tratada.
Mas a estocada que o atirou ao chão foi saber que, antes mesmo de se candidatar, era obrigatório mandar para o ferro-velho o automóvel antigo, depois de se certificar que já tinha mais de dez anos.
Ou seja, na prática, o generoso apoio do Estado exigia que ficasse sem transporte por tempo indefinido, investindo depois o dinheiro que não tinha num automóvel a brilhar, ficando sentadinho a rezar aos anjos para que toda a demais papelada fosse vista com bonomia por um cinzento escriturário que, seguramente, lê as linhas e as entrelinhas, por receio de deixar passar uma vírgula e conceder um prémio a quem não é dele merecedor.
O desinteresse desta pequena história é que não há aqui nada de novo em relação à forma habitual com que a administração pública se relaciona com os cidadãos. É sem tirar, nem por, o modelo concebido pelo Estado Novo e que tem vindo a ser paulatinamente refinado desde então. Ou seja, parte-se sempre do princípio de que o cidadão é um vigarista, pelo que a sua palavra não vale nada, exigindo-se que o demonstre à exaustão. A circunstância desse modus operandi frustrar os próprios objetivos que se pretendem atingir é completamente irrelevante e parece mesmo encher de alegria a legião de funcionários — um recurso que em Portugal não falta —, e que obviamente precisam de ser entretidos com alguma coisa.
Outro caso exemplar há poucos dias relatado nas páginas deste jornal foi a fantástica ideia de obrigar agora os desgraçados dos contribuintes a declararem no IRS os rendimentos que Não são sujeitos a imposto (como o subsídio de refeição) ou onde este foi logo deduzido à cabeça, como no caso dos juros dos depósitos.
A circunstância de estas informações já estarem na posse da tenebrosa máquina fiscal, que sabe muito mais da nossa vida do que nós próprios, parece não ser razão suficiente para superar o gozo de ver os atarantados cidadãos a gastar o tempo que não têm em inutilidades e a correr que nem umas baratas tontas só para que lhes possam vasculhar a existência mais facilmente.
Decididamente Salazar morreu, mas ainda não saiu de entre nós!
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