BIOGRAFIA
•
LIVROS
•
PRESS
•
ALBUNS
•
AGENDA
•
DIAS DO AVESSO
•
CRÓNICAS E ENTREVISTAS
•
CONTACTOS
CRÓNICAS E ENTREVISTAS
QUANTO MAIS NOS VEMOS, MAIS SUBIMOS A BITOLA DA PERFEIÇÃO
Publicado em: 18/03/2025
Faz-me pele de galinha que cada vez mais adolescentes recorram a plásticas numa ânsia de se “corrigirem” para atingirem, como dizes, um ideal de perfeição imaginado. Uma romaria à frustração.
Querida Mãe,
No outro dia disse a uma amiga que raramente me olhava ao espelho. Ela ficou chocada, como se fosse um ato de falta de amor-próprio. Fui para a casa a pensar se seria. Será que não me vejo ao espelho por sentir que é sinónimo de vaidade, por vergonha e insegurança? Talvez, sim. Talvez haja um fundo de verdade nesse diagnóstico, mas seria melhor para mim obrigar-me a olhar-me ao espelho e repetir para mim mesma quatro vezes ao acordar que sou linda? Cheguei à conclusão que não!
Esta reflexão profunda fez-me lembrar o texto de uma blogger universitária que li há uns anos e de que nunca mais me esqueci. Basicamente, ia casar e andava obcecada com o peso e as borbulhas, e tomou a decisão de não se voltar a ver ao espelho até depois da cerimónia. Contava que o resultado tinha sido espetacular, nunca se tinha sentido tão segura, bonita e confiante. Quanto mais penso nisso, mais acho que é esse o caminho. Todos nós olhamo-nos demais ao espelho, nunca em nenhuma outra sociedade as pessoas se viram a si próprias tantas vezes — fotografias, vídeos, selfies, espelhos — e, quanto mais nos vemos — com um olhar furiosamente crítico —, mais vamos subindo a bitola da perfeição. Mais nos vamos apegando a detalhes do nosso corpo que adoramos, criando raiva e desilusão pelas que não gostamos. Mas mesmo aquelas que nos orgulham vão provavelmente piorar com o tempo, por isso, a comparação é inevitável e dolorosa.
Quando não me olho ao espelho, mas me visto bem ou vou escalar, sinto-me forte e bonita, e depois, tantas vezes, o espelho destrói-me essa sensação porque reparo numa borbulha ou num ângulo qualquer que me desfavorece. O meu cérebro fica ali a procurar conciliar as duas sensações, voltando ao espelho só mais uma vez para confirmar a primeira impressão. Com uma agravante: ficamos presos à impressão de que toda a gente que se cruza connosco também está a reparar no “defeito”.
Mãe, basta olhar para as histórias para perceber que do nosso reflexo não vem grande coisa — veja lá se o espelho ajudou a madrasta da Branca de Neve? Sem ele teria sido provavelmente bem mais capaz de acolher a enteada. E também não me ajuda a mim, por isso, venho declarar-lhe que vou eliminá-los da minha vida, e as selfies também, claro. As fotografias ficam porque 1. gosto das memórias, e 2. ao revê-las, consigo ver-me gira quando, na altura, lembro-me perfeitamente de que me sentia gorda ou feia. O que é a prova dos nove de que o nosso olhar é mentiroso! Alinha?
***
Querida Ana,
Alinhada já eu estou, passo semanas sem me ver ao espelho. O que não tenho a certeza absoluta é de que seja uma coisa inteiramente boa, porque sinto dificuldade em não a correlacionar com uma certa preguiça com a aparência, o que, por sua vez, pode ser sintoma de falta de tempo para mim. Ou mesmo uma desistência. E se desistir de nos angustiarmos demais com a velhice inevitável só pode ser um sintoma de saúde mental, se desistirmos demais suspeito que estamos também a desistir das pessoas que nos são mais próximas, como se não valesse a pena o investimento “só” para nós / “só” para elas. O que vou dizer a seguir vale o que vale, ou seja, nada, mas sempre que viajo por Espanha e vejo aquelas senhoras mais velhas saírem de casa às cinco da tarde todas aperaltadas para se irem sentar numa esplanada com as amigas, igualmente engalanadas, fico com a impressão de que são mais felizes do que as portuguesas. Talvez, por dentro, amaldiçoem a ditadura do espelho, mas diria que o saldo é positivo.
Aliás, achava interessante que se fizesse um estudo sobre o impacto do trabalho remoto na autoestima — há pijamas lindos e sei que são a tua peça de roupa preferida (para além de vestidos de noiva e de baile, que desde pequenina sempre adoraste), mas suspeito que a versão fato de treino 7 x 7, por uma existência inteira, e sem o olhar reprovador de um espelho ao estilo da Branca de Neve, deve ter um custo.
Enfim, dito isto, faz-me pele de galinha que cada vez mais adolescentes recorram a cirurgias plásticas numa ânsia de se “corrigirem” para atingirem, como dizes, um ideal de perfeição imaginado e, tenho a certeza, de que é uma romaria à frustração. Não é preciso um divã para perceber que o seu mal-estar está dentro delas e não fora e que, por isso mesmo, nunca a imagem que o reflexo lhes devolve as vai sossegar. Impressiona-me que exista uma indústria crescente que vive dessa insegurança e que profissionais de saúde embarquem nela. Também confesso que me arrepiam as “plásticas” antienvelhecimento que alteram completamente a fisionomia das pessoas, ao ponto de não as reconhecermos. Para não pedirem uma indemnização aos cirurgiões, só posso suspeitar de que têm em casa aqueles espelhos que antigamente existiam nos circos e que distorcem a imagem ao gosto do cliente, só pode ser.
A conversa já vai longa, mas subscrevo o teu elogio ao poder terapêutico das fotografias, a que acrescento uma indicação importante: dão-nos a consciência de que temos de aproveitar o dia de hoje, porque amanhã vamos estar muito piores.
Siga no Instagram: https://www.instagram.com/birrasdemae/
Siga no Facebook: https://www.facebook.com/birrasdemae/
Leia no site do Público »