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CRÓNICAS E ENTREVISTAS
NÃO METAM (MAIS) MEDO AOS PAIS DOS ADOLESCENTES
Publicado em: 25/03/2025
Os nossos filhos são iguais ao que nós somos e ao que nós fomos, e habitam o mesmo planeta do que nós, desejando o mesmo que nós desejamos: ser amados, escutados e compreendidos.
Querida Ana,
A sério, já chega! Já chega de séries e documentários e notícias a meter medo aos pais dos adolescentes. Ou melhor dito, já chega do discurso alarmista feito a partir destes filmes, como se fossem documentários para abrir os olhos aos pais que, por trabalharem demais ou andarem demasiado distraídos com os seus telemóveis, não prestam atenção suficiente aos filhos. Pais que não sabem o suficiente sobre o jargão do momento, não estudaram a fundo a infinita coleção de emojis e o seu significado escondido, não controlaram tudo o que eles viram, viveram ou sentiram, quem seguem no Instagram ou no Tik-Tok.
E não, Ana, não vamos nesta onda de ver o “Adolescence” com os nossos filhos ou netos, colocando crianças de dez, doze, quatorze anos a ver uma série concebida para adultos, expondo-os a uma violência psicológica (a física está elegantemente ausente) de um adolescente de 13 anos que mata uma colega, mas sobretudo, sobretudo, à dor extrema de pais chocados, desiludidos e destruídos, a pais frágeis e culpabilizados, sob o pretexto de que lhes estamos a abrir os olhos para a realidade. A realidade que lhes importa e a que nos deve importar a nós é a realidade em que eles efetivamente vivem — é essa que devemos conhecer e a que deve ser o tema das nossas conversas com eles. Não os vamos afogar em dramas para os quais não estão preparados e do qual não têm a capacidade de tirar mais do que a espuma do assunto, com a ilusão de uma cumplicidade protetora que satisfaz primordialmente o ego dos adultos.
Ana, estas séries — e há muitas mais para além desta — baseiam-se invariavelmente “numa história real”, e histórias trágicas nunca faltam em qualquer faixa etária, a narrativa é invariavelmente a mesma: geralmente um rapaz, mas também pode ser uma rapariga, comete um crime, nas modalidades mais recentes, mata alguém, numa prova de que a parada emocional está a subir. Os pais não querem acreditar porque o adolescente é igual a todos os adolescentes, fecha-se no quarto, responde torto aos pais, mas também é querido e divertido. Mas vai-se a ver e é vítima de bullying, afinal a vida na escola era um inferno, os pais estavam pouco atentos, e pega numa faca e mata a rapariga que o desprezou ou o rapaz que fazia troça dele.
Os pobres pais torturam-se e destroem-se como qualquer família surpreendida por uma tragédia como esta, porque a responsabilidade última de tudo o que sucede aos nossos filhos é sempre nossa, ou pelo menos sentimo-la assim, mesmo que pelo caminho se aponte o dedo à escola, à polícia, à sociedade. E as séries podem até ser espetacularmente bem feitas, não é isso que está em causa, o que me preocupa são as generalizações e as extrapolações que querem fazer delas. Passaria pela cabeça de alguém pôr uma criança a ver o Jack the Ripper, porque há psicopatas compulsivos que violam mulheres?
Querida filha, sinceramente, não sei o que passa na cabeça dos adultos de todas as gerações, desde o Sócrates grego (e não o da Ericeira), para meterem sempre na cabeça que os jovens de uma nova geração são aliens que não pertencem à mesma espécie do que a sua. Observam-nos e falam deles como se fossem exploradores a produzir um documentário para a National Geographic.
Por isso, dou-te a notícia em primeira mão: os nossos filhos são iguais ao que nós somos e ao que nós fomos, e habitam o mesmo planeta que nós, desejando o mesmo que nós desejamos: ser amados, escutados e compreendidos, apoiados quando precisam de apoio, mas deixados livres e autónomos, confiantes porque confiamos neles. Se o bullying sempre existiu, é claro que assumiu novas formas na era das redes sociais e de que temos de estar a par, obviamente, mas a crueldade que conseguimos ter uns para com os outros está bem à vista no bullying entre adultos (até transmitida em direto da Casa Branca), e nas intermináveis guerras a que ninguém põe fim. Podem também ter encontrado novas e enigmáticas palavras para diminuir e humilhar o outro — Incel em lugar do tradicional “meu grande maricas” —, e modernos “gurus” — do Ku Klux Klan para um Andrew Tate —, mas o essencial está sempre lá: quando estamos zangados, inseguros, perdidos, tendemos a agir de forma primária e agressiva, numa ânsia de corrigir rapidamente o que nos faz sofrer (a que muitas vezes nem conseguimos dar nome). E o antídoto é sempre igual, estar atento e disponível, fazendo perguntas e ouvindo as respostas, sem andar em cima deles como se fossem potenciais criminosos, ou vítimas, ou ambas as coisas.
Se os pais e os avós tiverem memória, lembram-se, por exemplo, de como é horrível sofrer por amor, ser desprezado ou excluído, ser injustiçado por um professor, ter a cara cheia de borbulhas, até porque continuamos a sentir tudo isto mesmo se com mais defesas e carapaças, e vamos agir com empatia e amor e respeito. E é claro que vamos colocar limites e educar (sobretudo pelo exemplo) sobre como é possível expressar a agressividade com boas maneiras, mas vamos ter a coragem de tratar da nossa própria saúde mental para não nos transformarmos em pais ansiosos e angustiados (o que é mesmo muito fácil e falo por mim!). Vamos tentar evitar a esparrela de apontar o dedo às novas tecnologias e ao que vem de fora, sem cair na autoculpabilização constante, nem na vitimização do “porquê a mim!”. Tudo isto sem nos demitirmos de tentar mudar o mundo, nomeadamente a escola, estando atentos não só aos nossos filhos, mas aos filhos dos outros.
***
Querida Mãe,
Uff... que grande birra a sua. Estava a precisar de ler uma coisa assim no meio de todos os posts para “NÃO DEIXAR DE VER O ADOLESCENCE”.
Concordo com tudo o que escreveu. Não é uma questão de a série não poder ser um alerta, ou não nos pôr a pensar – a arte tem esse condão de nos tocar e emocionar e de podermos tirar dela aquilo que se pode aplicar à nossa vida. Mas tratar uma série de ficção como um tratado sobre a adolescência é perigoso, e se já é tão difícil manter uma lente calma e neutra em relação ao nosso adolescente, a última coisa que queremos é pensamentos intrusivos sobre todas as coisas horríveis que podem estar a acontecer por trás da porta do quarto.
Vou ver a série quando conseguir e depois talvez volte a fazer uma birra diferente, mas por agora estou consigo – não deixemos a tecnologia servir de pretexto para criar um muro entre nós e os nossos filhos. Somos todos humanos e é nessa humanidade que iremos encontrar o melhor equilíbrio para os novos desafios que vão surgindo.
Beijinhos
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