PRESS

JUN
1
 
 FRASES QUE CONTAM - REVISTA CRISTINA
Duas Irmãs para um Rei

«La´ em baixo, la´ em baixo, em casa do pescador — iam gritando, encaminhando-as para o lugar onde o rei ja´ estava. Para a cabana, onde o corpo sem sentidos do príncipe de 16 anos estava deitado numa esteira.
A princesa Isabel sentou-se ao seu lado, a ma~o na dele, a outra no rosto inexpressivo, que ainda ha´ momentos beijara ta~o intensamente, procurando dentro de si a forc¸a da sua ma~e. Rompeu em soluc¸os: «Afonso, acorda. Afonso, amor da minha vida, acorda.» Do outro lado, soluc¸ava Leonor, as la´grimas da rainha misturadas com uma orac¸a~o em que prometia tudo, tudo prometia, em troca da vida do filho ta~o amado.
— Os fi´sicos. Quem traz os fi´sicos? — implorou, mas o rei ja´ mandara pelos fi´sicos.
E Isabel de Sousa mandara pelo duque. Era preciso que Manuel viesse depressa.
Em Setu´bal, no seu convento, sem saber porque^, Justa sentiu o impulso de se ajoelhar. A roda da fortuna girava.»

Não consigo revisitar este episódio da nossa História, passado em julho de 1491 junto às margens do Tejo, em Santarém, sem me comover. Uma queda quando andava a cavalo matou o príncipe Afonso, filho do rei D. João II e da rainha D. Leonor, casado há apenas uns meses com a filha mais velha dos poderosos reis de Castela e Aragão, D. Isabel. Os testemunhos dos cronistas de então não nos deixam dúvidas de que a dor — a dor de uma mãe, a dor de uma jovem apaixonada que perde o homem da sua vida — era tão cruel e insuportável no século XV como se tivesse acontecido hoje. Connosco.
Este momento não vai definir apenas o destino daquela família, mas o de Portugal inteiro. Não é por acaso que D. Manuel é imediatamente chamado a esta cabana, galopando pela noite fora para chegar a tempo de se despedir do sobrinho e de marcar presença, não é por acaso que a sua ama de leite, Justa Rodrigues, pressente que a roda da fortuna gira mais uma vez. Nascido “apenas” filho mais novo de duques, o seu “Emanuel” foi-se aproximando paulatinamente do trono, graças a tragédias, execuções e mortes que tornam este tempo num dos mais extraordinários sobre o qual já escrevi. E, ao nono romance histórico, já escrevi sobre muitos.
Não se enganam os que dizem que quando mergulhamos na História percebemos que a realidade supera em tudo a ficção. A vida do nosso rei D. Manuel I, no glorioso tempo das Descobertas, dava só por si um livro, mas quando alargamos o nosso olhar às suas duas mulheres — duas rainhas de Portugal tão esquecidas —, o resultado torna-se ainda mais surpreendente. Isabel, a jovem viúva, vai resistir a um segundo casamento, mas D. Manuel não vai desistir de conquistar a mulher pela qual se apaixonou tantos anos antes. E quando a rainha morre no parto, espera-o a irmã, D. Maria, que se vai revelar uma surpresa.
Mais do que desejar que leia este livro, peço-lhe que o faça. Estas histórias não podem ficar só para mim, porque nos pertencem a todos.