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JUN
26
 
 “D. MANUEL I É TUDO MENOS LINEAR”
Isabel Stilwell está de regresso aos romances históricos, mas desta vez tem um rei como protagonista. Em entrevista à FNAC, fala de D. Manuel I: Duas Irmãs para um Rei, sobre um homem que não estava destinado ao trono, mas que acabou por gravar o nome na História de Portugal.

Tem na sua bibliografia oito livros sobre rainhas portuguesas e escreve pela primeira vez sobre um rei. Porquê agora uma figura masculina?
- Gosto de desafios novos. Não queria deixar as rainhas, as mulheres, que têm estado tão escondidas e esquecidas, mas sentia vontade de ir mais longe e “testar-me” na análise da vida e do perfil psicológico de um homem.

Como surgiu a vontade de escrever sobre este rei, D. Manuel I?
- Conheci primeiro a sua mãe, D. Beatriz, duquesa de Viseu e Beja, e a sua sogra, a poderosa Isabel de Castela (Isabel, a Católica), e fascinou-me a força destas mulheres.
Ao saber mais sobre o seu tempo e sobre o reinado do seu filho/genro D. Manuel, percebi que havia histórias dentro da História absolutamente extraordinárias. Conhecemos a faceta dos Descobrimentos, mas muito menos a dos meandros da política ibérica daquele tempo.

D. Manuel I: Duas Irmãs para um Rei não é um livro apenas sobre um rei, mas também, tal como refere o título, sobre duas mulheres. Que importância tiveram estas irmãs no reinado deste homem?
- Estas duas mulheres são duas rainhas de Portugal, praticamente desconhecidas, uma injustiça que me faz sentir sempre muito feliz combater, como tenho feito nos oito livros que escrevi antes deste.
São filhas de Isabel, a Católica, e herdam dela a força e a tenacidade. Ter uma mãe que assumiu o poder de reinar em nome próprio e que está decidida a mudar o mundo obviamente molda o caráter, sobretudo de uma rapariga.
Sabem tudo o que podem ser, não se acham inferiores aos homens e recebem não só o melhor exemplo mas também a melhor educação formal, algo que a grande maioria das mulheres, mesmo as da nobreza, raramente recebiam. Obviamente isto faz depois diferença na maneira como são rainhas de Portugal.
Apesar dessa herança comum, são muito diferentes entre si. D. Isabel é a primogénita, tem uma personalidade fortíssima e faz valer a sua vontade sempre, e D. Maria é uma irmã do meio, mais serena e mais de bastidores.

Como descreve D. Manuel I?
- D. Manuel é tudo menos linear. As circunstâncias da sua infância e adolescência, passada à sombra de um rei tão carismático, mas também cruel, como D. João II. A forma como vê desenrolar a sua vida, que começa como um filho mais novo de uma grande fratria para passar a herdeiro do título de duque de Beja, aproximando-se paulatinamente do trono. Como os astrólogos que o rodeavam garantiam estar escrito nos céus. Tudo isto vai permitindo que se torne cada vez mais ousado na sua ambição.
Mas também deixa marcas: é um rei dissimulado, que foge ao confronto direto.
Quando chega ao trono, aos 26 anos, revela um “plano de governo” já muito pensado e estruturado que vai cumprir com uma capacidade de trabalho invejável. É verdade que tudo o que sabia sobre os céus e os mares aprendeu com o seu antecessor, mas isso não lhe tira o mérito de ter sabido continuar a política anterior e de a ter levado ainda mais longe.

O que mais a fascinou neste rei?
- A sua capacidade de trabalho. A forma como, apesar do seu narcisismo e vaidade, conseguia ser genuinamente um homem de família. O seu respeito pelas mulheres.

D. Manuel I não estava na linha direta da sucessão, mas acaba por chegar ao trono e deixa uma marca importantíssima na história do nosso país. Este é um daqueles casos em que a realidade é por si só matéria-prima suficiente para o romance, quase não sendo preciso ficcioná-la?
- Completamente. Os relatos dos cronistas e escritores de então — Rui de Pina, Garcia de Resende, Damião de Góis, Gil Vicente, todos nomes que conhecemos tão bem ainda hoje ­— são uma fonte inesgotável de histórias espantosas.
Envenenamentos, decapitações, um rei que assassina com as suas próprias mãos o cunhado, uma princesa que vive um casamento apaixonado que acaba tragicamente com uma queda a cavalo... Se me pusesse a inventar tudo isto, diziam que exagerava ou que me tinha inspirado num qualquer jornal tabloide.

Podemos dizer que nos seus romances está a contar-nos a História de Portugal de um ângulo diferente?
- Julgo que sim e, quando mudamos o olhar com que vemos a realidade, vemos uma realidade que desconhecíamos. Mais próxima de nós, feita de gente de carne e osso que partilha connosco a mesma essência, mesmo que se manifeste da forma culturalmente aceite na época. E isso permite-nos chegar ao passado com uma empatia que não sentimos quando nos limitamos a ler datas e nomes num compêndio.
Melhor ainda: como exijo de mim própria o rigor dessas datas e nomes, incorporam-nas também. E, se tudo correr bem, ficam com uma noção mais completa da época e as “bases” para irem mais longe através da bibliografia que encontram sempre no final de cada livro.

Já existe a ideia para um próximo livro? Poderá ter como protagonista mais um rei?
- Já existe, mas não vou dizer mais nada.

De onde vem a sua paixão pela História?
- Tenho a certeza de que a herdei do meu pai, que era formado em História e um extraordinário contador de histórias. Sou a filha mais nova e, quando entrei para o curso de História, na Faculdade de Letras em Lisboa, ele ficou feliz. E um bocadinho triste quando, no final do primeiro ano, decidi mudar para o curso de Comunicação Social, que acabara de abrir na Universidade Nova.
Infelizmente, já tinha morrido quando escrevi o meu primeiro romance histórico, ainda por cima sobre D. Filipa de Lencastre, uma rainha sobre a qual me tinha falado sempre muito – numa família inglesa que vivia em Portugal, não se podia deixar de falar da única princesa inglesa que foi rainha de Portugal.
Herdei dele imensos livros de História e uma das coisas que me dá felicidade quando estou a estudar um novo personagem é fazê-lo a partir de um dos livros que me deixou. Para este D. Manuel I houve imensos, desde os cronistas aos livros de Elaine Sanceau, que são fabulosos. O que escreveu sobre D. João II está autografado por ela para a minha avó, o que ainda o torna mais especial.

E o interesse pela monarquia?
- Não é o regime em si aquilo que mais me interessa, mas o passado e as pessoas – nomeadamente as mulheres – que o moldaram.

Qual é a receita para um romance histórico de sucesso? Além da investigação histórica, há também muita imaginação?
- Parece-me que há pouco de receita no sucesso, por muito que nos tentem sempre vender essa ideia em todas as áreas.
Enquanto leitora ávida de romances históricos, o que lhe posso dizer é que sei distinguir os muito bons dos bons, médios, assim-assim ou maus, e que essa avaliação que faço depende do rigor e da plausibilidade que encontro (os factos têm de lá estar todos), mas também da capacidade do escritor para construir personagens densos e credíveis e de me conseguir envolver e fazer regressar no tempo.

O que encontra na literatura que não encontra no jornalismo?
- Costumo assumir-me como jornalista do passado, porque o meu método de “investigação”, a minha recolha de testemunhos, faz-se muito da mesma maneira e o objetivo é semelhante: contar a história de gente que, embora já não seja deste mundo, tem ainda muito para dizer.
Dito isto, a literatura permite-me ir mais longe. E gosto do cheiro dos livros.


Entrevista: Sónia Castro
Fotografia: Pedro Ferreira