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ABR
14
 
 "FILIPE I FOI ALVO, PRIMEIRAMENTE EM PORTUGAL, DE UM CANCELAMENTO"
Estivemos à conversa com Isabel Stilwell, autora do novo romance histórico 'Filipe I de Portugal - O Rei Maldito'.

'Filipe I de Portugal - O Rei Maldito' é o novo livro de Isabel Stilwell. Estivemos à conversa com a escritora que nos deu pormenores acerca deste romance histórico marcado por diversas intrigas.

A coragem de D. Catarina de Portugal, que se recusava a desistir dos seus direitos de legítima pretendente ao trono, e a persistência de Filipe I, que sendo filho do imperador Carlos V e de D. Isabel reclamaria o que era seu por direito, são dois dos pontos mais emocionantes.


Porquê a escolha deste protagonista tão intrigante?

Quando pensei em D. Filipe tive um bocadinho de medo, porque é um período da história do qual sabemos muito pouco, é mais ou menos apagado. Ainda hesitei um bocadinho, mas depois encontrei ali uma personagem que não fazia ideia que tinha existido, que era a infanta Catarina de Portugal, com quem D. Filipe disputou o trono. Ela era, objetivamente, quem tinha mais direito, mas era mulher num tempo em que ser mulher ainda era mais complicado do que é hoje...


Qual foi o maior desafio na escrita deste romance?

O desafio foi perceber melhor alguém que não é muito compreendido. Percebi que, no fundo, Filipe I seria português, porque a mãe dele era portuguesa, foi educado por amas portuguesas, o melhor amigo era português e as ligações a Portugal eram fortíssimas. Tive curiosidade para tentar perceber melhor este período em que se perdeu a independência. Depois descobri que esta Catarina é a avó de D. João IV. É através dela que chega o direito ao trono da restauração. É por ela nunca abdicar do seu direito que depois da restauração se alega que D. João IV é o herdeiro legítimo do trono.


Tinha preconceito em relação a Filipe I quando começou a investigá-lo?

Temos todos algum preconceito em relação aos Filipes. Mesmo no Mosteiro de São Vicente de Fora, que foi mandado construir por Filipe I, há azulejos de todos os reis feitos posteriormente pela dinastia de Bragança e os três Filipes não estão lá.

Tinha muito aquela ideia de que tinha sido uma imposição pela força, uma conquista, quando na verdade não há uma conquista, há uma pessoa que acha que tem direito ao trono e os juristas, inclusive portugueses, concordam, porque é o neto mais velho de D. Manuel I.

Agora, não era natural ao reino - como se costumava dizer - mas tinha muitos direitos. A verdade é que muitos portugueses o reconheceram e que a resistência foi muito pouca ou nenhuma.


Surpreendeu-se pela positiva com Filipe I?

Acho que Filipe I foi alvo, primeiramente em Portugal, deste cancelamento, de não pensarmos nos Filipes e de os baralharmos todos. O Filipe I não é Filipe II nem Filipe III. Filipe I põe em prática um plano antigo de união das duas coroas, mas em que cada reino mantém a sua identidade. Só os portugueses é que podiam estar em lugares de poder, a administração pública não podia ser entregue a castelhanos, era uma união e não uma anexação. Aprendi a distinguir este Filipe dos outros.

Também tinha sobre ele uma lenda negra, porque a grande luta do seu reinado foi contra os protestantes. A lenda que correu sobre ele era muito negra, [diz-se] que tinha matado o próprio filho e que tinha casado com a mulher dele. Havia umas histórias para maiores de 18 anos.

[Contudo] As cartas de Filipe I, enquanto esteve em Lisboa, às filhas mostram-nos um Filipe completamente diferente da lenda negra, assim como o que ele fez em termos de ciências e obras. Há um lado de arquiteto, botânico, curioso, cientista e isso é fascinante.


Além disso foi casado com quatro mulheres.

Morreram todas de parto ou de outras doenças. A primeira foi uma portuguesa [D. Maria Manuela], a segunda, a rainha de Inglaterra [Mary Tudor], a terceira uma princesa francesa [Isabel de Valois] e a quarta uma sobrinha [Ana de Áustria]. A consanguinidade era uma coisa muito comum, porque eles achavam que fazia sentido, tinham um destino, um sangue real e quanto mais o unissem, melhor, mas na prática as crianças nasciam com deformações.


Filipe I amou alguma delas ou foram só mesmo casamentos por conveniência?

Dizem que amou muito a terceira, que foi a Isabel de Valois, e que foi a mãe das duas filhas com quem tem uma relação muito, muito próxima. Discutiam tudo. Inclusive a filha disse-lhe, quando estava cá em Portugal, aos 14 anos, que ainda não lhe tinha aparecido a menstruação... É uma intimidade que surpreende. Mas elas ficaram órfãs quando tinham apenas um e dois anos e meio e ele assumiu muito estas duas filhas. Esta Isabel de Valois era muito bonita, mais nova do que ele, dizem que com ela houve uma relação de amor.

Com a última, Ana de Áustria, os cronistas dizem que encontrou uma relação pacífica, ou seja, calma, ela adaptou-se muito ao temperamento dele. Ele, ao contrário do que se pensa, odiava festas e muitas pessoas. Gostava de estar no seu gabinete com os seus papéis.


Qual foi a parte mais difícil de escrever neste livro?

A parte mais complicada é conseguir perceber o que aconteceu em Portugal. Basicamente, o Cardeal D. Henrique tem de fazer a escolha entre estes dois sobrinhos: ou Filipe ou Catarina. Tenta encontrar uma solução negociada, mas não resulta porque Catarina recusa-se a prescindir dos direitos dela. Por isso, D. Henrique cria uma série de soluções, comissões, juntas para que os juristas decidam. Isso é o mais complicado de perceber, as cortes, a parte mais burocrática. É a mais difícil de tornar emocionante e não enfadonha.


Para escrever este livro teve de visitar vários lugares.

Sim, e são fascinantes. O encontro de D. Sebastião com o tio, D. Filipe, para discutir Alcácer Quibir foi no Real Mosteiro de Santa Maria de Guadalupe. É um local lindíssimo que aconselho toda a gente a visitar e é tão perto, aqui em Cárceres, a uma hora de Badajoz.

Depois gostei imenso de estar em Alcácer Quibir. É sempre aquela batalha, a história toda que ouvimos do deserto... que não é deserto. É uma planície verde, pelo menos na altura em que lá estive. Seguir esse caminho de D. Sebastião é encontrar um outro mundo e ver a loucura que foi a ida dele. Ainda mais se percebermos que eles não iam sozinhos: levavam as mulheres, os filhos, carroças, um sem fim de mantimentos - galinhas, porcos. Foram para a guerra com este arsenal todo e depois, obviamente, que ficaram enterrados na areia. Não conheciam o terreno. D. Sebastião, como muitos políticos atuais, ouvia pouco os seus conselheiros.


Há uma personagem particularmente curiosa, Magdalena Ruiz, a "louca".

Fazia parte de um hábito que os reis tinham que era rodearem-se destes pequenos bobos de corte. No caso dos loucos de Filipe é muito curioso, porque ele desde muito novo tem à sua volta os chamados loucos, pessoas excêntricas. E o imperador Carlos V, pai dele, implica muito com isso e D. Filipe responde "porque eles dizem-me a verdade". É tímido, gosta da sua intimidade e estas pessoas é com quem pode estar mesmo à vontade. Nas cartas de D. Filipe às filhas ela é uma personagem constante. Conta as histórias dela, que ele - que é implacável - não perdoaria a mais ninguém, ela dizia-lhe as coisas na cara. Era um estatuto estranho porque ela própria tinha uma escrava e aposentos. Se fosse hoje em dia diríamos que eram uns terapeutas.


Quanto tempo demorou a escrever este livro?

Acho que foram quase dois anos. É muito tempo...


Como tem sido a reação das pessoas ao romance?

Pensava que poderia haver mais gente a dizer 'oh, não!', mas não, acho que as pessoas de certa maneira acreditam que se me entusiasmei, então, é porque, provavelmente, há uma história que vale a pena ler.


Quais os assuntos abordados no livro que se prendem com a atualidade?

Há questões como a tolerância religiosa, das mulheres... Se calhar porque me interessa no presente procuro essas informações no passado. Também há uma discussão no tempo de D. Filipe para saber se o parto é melhor ser numa cadeira obstétrica, pois a força da gravidade ajudava os bebés a nascerem, e depois vieram os médicos e preferiram o parto deitado, que ainda hoje estamos a perceber. Depois há a corrupção. Há sempre muitos pontos de ligação porque somos um contínuo.